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POLÍCIA
DO G1 RN
11/08/2016 07:24
Atualizado
14/12/2018 08:49

MP/RN detalha como policiais executaram sete em Mossoró RN

Promotores de Justiça estão analisando outras sete mortes também atribuída ao mesmo grupo de policiais que foram presos no dia 22 de junho na Operação Os intocáveis, em Mossoró, pela Força Nacional
“Um grupo de extermínio composto por policiais militares que cometiam crimes de homicídio sob a alegação de ‘aplicar a justiça’”. É assim que o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio Grande do Norte, define a atuação de seis policiais militares e um motorista acusados de, pelo menos, 14 assassinatos em Mossoró e outras cidades do Oeste potiguar.

Os promotores já ofereceram denúncias relativas a sete assassinatos. A defesa dos PMs diz que ainda não tem total conhecimento das acusações sobre eles.

O G1 teve acesso a essas denúncias. Os documentos se baseiam na investigação da Força Nacional que culminou com a deflagração da Operação Intocáveis, em 22 de junho passado. De acordo com as denúncias do Gaeco, o grupo justificava os crimes como “legítima defesa” e “no cumprimento do dever legal”.

As denúncias, relativas a sete assassinatos e uma tentativa de homicídio, são assinadas por cinco promotores públicos e foram remetidas a um colegiado de juízes formado na 1ª Vara Criminal da Zona Sul de Natal. Como os juízes receberam essas denúncias, os seis PMs e o motorista, que cumprem prisões preventivas, já são réus nos processos. “Essa foi apenas a primeira remessa de denúncias. Outras estão sendo concluídas e serão entregues no tempo legal”, diz o Gaeco.

O advogado Gilmar Fernandes de Queiroz, que defende os policiais militares e o motorista presos, diz que ainda não tem total conhecimento das acusações. "Como somente nesta quarta-feira (10) é que fui legalmente constituído como advogado deles, ainda não tenho total conhecimento das acusações. Conversei com todos no dia da operação. O que sei é que há alguns homicídios sendo atribuídos a eles e que, pelo o que eles me disseram, esses casos têm relação a ações policiais", disse.

O comandante-geral da Polícia Militar, informou que há a possibilidade de os policiais serem expulsos da corporação. "Se for provado que eles agiram fora da lei e forem condenados por isso, há sim a possibilidade de serem expulsos. Temos que aguardar a decisão judicial", falou.
 
 

'Vítima friamente executada'

O primeiro caso denunciado pelo Gaeco é relativo à morte de Rafael Faustino de Sá  Soares, o Rafael Preto, de 18 anos. O crime foi cometido por volta das 17h de 26 de janeiro de 2013, na rua Maria Segunda da Trindade, em Mossoró. Os policiais militares Renixon Felício da Silva, Allan George de Menezes e Franciné Nogueira da Silva respondem por esse homicídio.

Em depoimento à Polícia Civil no dia do crime, o cabo Renixon admitiu que fazia um patrulhamento no bairro Planalto da Liberdade quando foram abordados por populares. Essas pessoas informaram que “ali próximo, em uma residência, estava ocorrendo uma bebedeira o qual estava presente a pessoa de ‘Rafael Preto’, o qual é assaltante e homicida, inclusive foragida do Ceduc [Centro Educacional para Adolescentes Infratores]”.

O policial disse que ele e os policiais Allan Menezes e Franciné Nogueira foram recebidos à bala. “Em virtude das circunstâncias, a sua pessoa e demais membros de sua equipe revidaram à agressão e adentraram na residência, ocasião em que ‘Rafael Preto’ fora atingido”, diz trecho das declarações do PM. Ele ainda falou que foi apreendido um revólver calibre 30 em poder da vítima.

No dia de janeiro de 2014, em nova declaração à Polícia Civil, o cabo Renixon ratificou o que já havia dito. Ele falou que “não sabe efetivamente se acertou a vítima, no entanto, tanto o declarante [ele], quanto os seus companheiros efetuaram disparos”. Para o Gaeco, ao afirmarem que teriam revidado a disparos de arma de fogo, os três policiais alegam de se tratar de uma “situação excludente de ilicitude”.

A arma entregue pelos PMs à Polícia Civil e que teria sido apreendida com Rafael Preto foi periciada. O Laudo de Exame em Arma de Fogo obteve “resultado negativo para possíveis resíduos dos produtos da combustão da pólvora sem fumaça no interior do cano e da câmara da arma de fogo, indicando a inexistência de disparo”.

Para o Gaeco, esse laudo e depoimentos de testemunhas que estavam presentes no momento do crime “permite concluir que a vítima foi friamente executada pelos policiais denunciados”. Testemunhas disseram à Força Nacional que no momento da abordagem, Rafael estava desarmado.
 

 'Vítima retirada do carro, despida e atingida por três disparos'

A segunda execução denunciada pelo Gaego é a de João Carlos Andrade de Lima, ocorrida por volta das 21h de 18 de julho de 2015. Segundo os promotores, João Carlos estava em frente a um comércio no bairro Aeroporto 2, em Mossoró, quando foi surpreendido com a chegada de uma caminhonete branca com quatro homens armados. Na denúncia, o MP diz que “a vítima foi levada pelos quatro homens no referido veículo até uma estrada carroçável localizada no Sítio Santana, zona rural de Mossoró, local onde foi retirada do carro, despida e em seguida atingida por três disparos de arma de fogo calibre 12”.

Para os promotores, baseando-se em investigação policial, os PMs Alex José de Oliveira e Edimar Gomes da Silva, e outros dois homens ainda não identificados foram os autores do crime.

Ao chegarem ao local onde João Carlos estava, segundo relato de testemunhas à polícia, Alex José e Edimar Gomes “desceram do veículo, com armas longas em punho, e se dirigiram até a vítima”.

De acordo com a denúncia, o PM Alex José “passou a agredir a vítima fisicamente, tendo, logo em seguida, acompanhado de Edimar Gomes, a colocado no banco de trás da caminhonete branca e partido do local, com os outros dois homens ainda não identificados”. Para o Gaego, “a vítima ficou impossibilitada de se defender, visto que foi sequestrada por quatro homens fortemente armados”.

A motivação para o crime, pelo o que foi apurado pelo MP, seria o fato de a vítima “ser usuária de droga, envolvida com a prática de delitos, e ainda por ter agredido, no mesmo dia, um idoso, pai de um policial militar”.

Na denúncia, os promotores ressaltam ainda que Alex José e Edimar Gomes, mesmo usando capuzes no dia da morte de João Carlos, “foram identificados em razão de seus olhos, sobrancelhas, compleições físicas e vozes”. Esse reconhecimento físico foi feito por três testemunhas.
 

 'Surpreenderam as vítimas enquanto dormiam'



Carlos Daniel Ferreira Bezerra, de 14 anos (esquerda), e Francisco Fábio Bezerra de Souza, de 22 anos, foram mortos com tiros na cabeça na madrugada de 29 de novembro de 2015.

Os dois, segundo as investigações da Força Nacional, estavam dormindo em um barracão na rua Flávio Jerônimo, no Alto da Pelonha, quando foram surpreendidos pelos policiais militares Edimar Gomes da Silva, Renixon Felício da Silva e Paulo Cézar da Silva.

O duplo assassinato foi cometido por volta das 3h30.

Segundo Laudos de Exame Necroscópicos, Carlos Daniel foi morto com um tiro na testa. Francisco Fábio foi atingido por um tiro na nuca. Os dois tinham histórico de roubos e furtos em Mossoró.

Segundo relato de testemunhas à polícia, Carlos Daniel havia sido “jurado” pelo policial militar Edimar Gomes pelo fato de ter furtado passarinhos do pai do PM. Francisco Fábio já havia sofrido uma tentativa de homicídio em 2014. Segundo a denúncia, o autor dessa tentativa foi o PM Paulo Cézar da Silva. O crime foi motivado por um furto de uma motocicleta.

De acordo com os promotores do Gaeco, os três policiais estavam “irresignados e determinados a executar Francisco Fábio e Carlos Daniel”. Tanto que passaram a monitorar a rotina das vítimas. No dia do crime, ao confirmarem onde os dois estavam, os policiais militares “aproximaram-se do barracão onde estavam as vítimas em um veículo tipo picape, tentaram entrar pela porta da frente, mas estava trancada com cadeado”.

E continua trecho da denúncia: “Assim, adentraram o barracão pela porta dos fundos e surpreenderam as vítimas enquanto dormiam. Ato contínuo, as alvejaram com disparos de arma de fogo na cabeça e empreenderam fuga para local ignorado”.

 'Ninguém viu nada!'

O quarto caso denunciado pelo Gaeco à Justiça diz respeito à morte de Leonardo Moreira de Oliveira, na época com 17 anos (foto), ocorrida dentro de um depósito de gelo na rua Dez de Dezembro, no bairro de Alto de São Manoel, também em Mossoró.

O crime foi cometido por volta das 17h30 do dia 17 de dezembro de 2015. Segundo os promotores públicos, os PMs Renixon Felício de Moura, Allan George de Menezes e Franciné Nogueira da Silva Júnior foram os autores do assassinato.

Segundo inquérito policial, Leonardo Moreira havia roubado uma motocicleta momentos antes de ser morto. “Ao perceber que se aproximava uma viatura da Polícia Militar, [Leonardo] começou a correr no sentido de sair da Favela da Vagem, quando passou a ser perseguido pelos policiais militares”, diz o documento.

O inquérito relata que os Renixon Felício e Franciné Nogueira desceram do carro e passaram a perseguir Leonardo correndo. Enquanto isso, o Allan George continuou no carro da PM, na mesma direção deles. “A vítima correu até entrar em um depósito de gelo, a fim de se refugiar”.

Na denúncia, os promotores de Justiça dizem que PM Renixon Felício chegou logo após. “Ao também chegar, ele determinou que as outras pessoas que ali estavam presentes se retirassem e efetuou disparos de arma de fogo, que causaram a morte de Leonardo, impossibilitando, assim, qualquer reação de defesa por parte da vítima, que após ser perseguida, estava ali encurralada e desarmada”.

Ainda de acordo com o Gaego, “após os disparos, Renixon saiu do estabelecimento comercial e disse aos que ali se encontraram que ‘ninguém viu nada!’”. Os promotores relatam também que o “policial Allan ainda determinou que ninguém prestasse socorro à vítima”.

Para o Gaego, mesmo a ocorrência tendo sido decorrente de uma perseguição policial por causa de um roubo de motocicleta, Leonardo foi “friamente executado” pelos PMs. “Tal constatação se deve ao fato de que a vítima estava desarmada, impossibilitada, portanto, de efetuar disparos contra os policiais”.

Em depoimento à Polícia Civil, sete testemunhas asseguram que Leonardo não estava armado no momento em que chegou ao depósito de gelo. Mesmo assim, os PMs apresentaram um revólver calibre 38 alegando que a arma havia sido apreendida em poder de Leonardo. Familiares da vítima admitem que ele usava uma arma para cometer assaltos, mas era um revólver calibre 32.
 

 'Chame o seu irmão'


Um duplo homicídio e uma tentativa de assassinato em Mossoró são o quarto crime atribuído ao grupo que já foi denunciado pelo Gaeco à Justiça. Segundo os promotores, por volta das 15h30 de 1º de abril deste ano, o PM Edimar Gomes da Silva e o motorista Ítalo Ross Soares Carvalho mataram Elton Jonatan Albano de Oliveira, de 21 anos, e Kelwin Ferreira Laurentino, e tentaram matar Marcos Henrique Silva Gomes, de 18 anos (foto acima).

Os crimes foram cometidos na rua Eduardo Sabóia, no conjunto Integração, na calçada da casa de Elton Jonatan. Segundo inquérito policial, Kelwin e Marcos Henrique estavam conversando na calçada quando dois homens chegaram em uma moto. Um desses homens, de acordo com testemunhas, era Ítalo Ross. Após abordar os dois que estavam na calçada, “Ítalo Ross, com uma pistola em punho, foi até a sala da residência e disse à irmã da vítima: ‘chame o seu irmão Elton, chame logo que é policial civil’”.

Elton Jonatan se levantou e foi até a calçada da casa, juntando-se a Kelwin e Marcos Henrique. Segundo a denúncia do Gaego, Ítalo Ross, efetuou “diversos disparos contra os três, após o que subiu na moto e empreendeu fuga”.

Para o Gaego, Edimar Gomes “tinha pleno domínio do fato criminoso, inclusive foi quem apresentou o executor do crime à vítima”. Os crimes, segundo os promotores, tiveram duas motivações: as vítimas eram amigas de suspeitos de um latrocínio contra um policial militar (Wildiney Alves de Andrade) e consumiam ou vendiam drogas no local do crime.

No entendimento dos promotores públicos, o PM Edimar Gomes seria o mandante dos crimes, enquanto que o motorista Ítalo Ross e um outro homem ainda não identificado seria os executores.

Chacina em Tibau



Um dos crimes atribuídos pela polícia aos policiais é a chacina ocorrida na noite de 12 de agosto do ano passado, no município de Tibau. Quatro pessoas foram executadas na frente de uma casa. Rudson Carlos Araújo, de 40 anos, o filho dele, Rudson Carlos Araújo Filho, 18 anos, o pedreiro Ivanaldo dos Santos Duarte, 45 anos, e o servente de obras Raimundo Edvan Pereira, 51 anos, estavam conversando quando dois homens chegaram ao lugar e iniciaram uma série de disparos. Para a Polícia Civil, os soldados Alex José de Oliveira e Edimar Gomes da Silva foram os assassinos.

A chacina teria relação com um fato ocorrido no dia 19 de julho em Mossoró, quando Robson Carlos de Araújo Gomes, de 16 anos, teria sido morto num suposto confronto com a polícia durante uma perseguição no bairro Santo Antônio. Robson era filho de Rudson, que segundo policiais, teria dado apoio ao filho e atirado nos militares.

Com medo de represálias, Rudson e o filho que sobreviveu teriam ido morar em Tibau. Mas a distância não teria sido o suficiente para barrar a ira de vingança dos soldados Alex e Edimar. Os dois foram indiciados pelos crimes de homicídio qualificado. O processo está em poder do Ministério Público, para que o órgão se manifeste sobre a denúncia ou arquivamento do processo.

No dia em que a ação foi deflagrada, o delegado-geral de Polícia Civil, Stênio Pimentel, confirmou a suspeita. "Essa operação começou com a investigação de vários homicídios que aconteceram nas cidades de Mossoró, Assu e Tibau. No decorrer dessas investigações foi que constatamos indícios de participação de policiais militares na chacina de Tibau", disse Stênio.

Os promotores do Gaeco que assinam as denúncias dizem que outras serão feitas nos próximos dias.

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