19 ABR 2024 | ATUALIZADO 18:25
VARIEDADES
Da redação
04/02/2017 09:41
Atualizado
13/12/2018 20:18

Com nota máxima no Enem, preso é aprovado em Letras na UEPB ; "meu sonho", diz

Márcio Túlio do Nascimento, de 34 anos, cumpre pena por assalto à mão armada. Ele atingiu nota máxima entre os presos da Paraíba que fizeram o Exame
Antônio Ronaldo/Correio da Paraíba
"Meu sonho é voltar para a sala de aula como professor". A declaração não é de nenhum estudante, mas sim de um preso da Penitenciária Raymundo Asfora (Serrotão), em Campina Grande, Paraíba. Márcio Túlio do Nascimento, de 34 anos, cumpre pena de sete anos de prisão em regime fechado por assalto à mão armada. 

O preso ficou em primeiro lugar geral no Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privativas de Liberdade (PPL), na Paraíba. A maior nota foi a de Márcio, 659,09 pontos, e ele garantiu vaga para Letras – Português na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). 

Márcio conta que antes de entrar no mundo “obscuro” do crime, era mototaxista, mas sempre foi encantado pelo mundo da literatura. Grande Sertão: Veredas, obra da década de 50, escrita por Guimarães Rosa, é segundo ele, seu livro preferido. O romance foi lido fora da cadeia, porque nos pavilhões, a realidade não permite.

“Lá em baixo, nos pavilhões, é mais estreito. A superlotação não é um problema só daqui. Nem todo mundo dá crédito ao estudo, obviamente, então a gente tem uma condição bem inferior para estudar lá em baixo (nas celas)”, conta.

"As pessoas comentam que a área da licenciatura é mal remunerada, e não ganha bem. É um estereótipo. Mas, eu vejo que não existe uma profissão que não perpasse pela educação. Se o cara for médico, se formou nas mãos de professores. Se for um jurista, um magistrado, um diretor de uma unidade prisional, um repórter, um fotografo, ele vai perpassar por essa situação. Para mim é uma profissão muito completa, que tem muito a dizer e que pode transformar a vida das pessoas. Eu vejo que a formação do caráter das pessoas passa também pelos professores. Eu tive bons professores e infelizmente, às vezes fico me perguntando isso no pavilhão, do porquê eu me deixei levar por esse caminho. O porquê eu não segui o caminho certo”, conta.

Quando fala sobre o futuro, Márcio chora. Ele espera sair da cadeia, voltar para a sala de aula e ver o filho mais novo, de apenas cinco anos, crescer.

“Digo sempre a minha filha que a gente não aprende apenas com exemplos bons, que aquilo que ela me viu fazer na minha vida, não apenas esta questão em si, mas qualquer outra coisa que ela ache que eu tenha feito de errado, que não foi legal, nem do bem, que ela não siga. E para o meu filho, eu não tive muito a oportunidade de estar perto dele, eu só quero ser o melhor pai do mundo. E com certeza concluir meu curso, porque esse é um sonho que tenho desde jovem”, vislumbra.

Para o diretor do presídio, Delmiro Nóbrega, o que chamou a atenção no caso de Márcio foi a pontuação na redação: 840 pontos.

“Essa prova do Enem prisional é diferente da prova feita por outros alunos, mas ela tem o mesmo nível, pois as questões são retiradas do mesmo banco de dados. Dos 34 apenados que fizeram as provas do Enem prisional no Serrotão, apenas ele conseguiu garantir vaga. O que merece destaque é a pontuação dele na redação, que foi 840. Ele já participou praticamente de todos os projetos de educação que foram desenvolvidos aqui, e tem um bom comportamento na unidade”, disse o diretor.

De acordo com o juiz titular da vara de execuções penais na comarca de Campina Grande, Gustavo Lyra, na Paraíba um apenado já conseguiu cursar Direito enquanto cumpria a pena em regime fechado.

“Em Guarabira, um apenado cursou direito enquanto cumpria a pena e hoje é advogado. Naquela tem-se uma estrutura menor, que permitiu que ele assistisse às aulas, mediante escolta. Em Campina Grande não temos como garantir essa situação. Ele vai precisar de uma autorização diária de saída. Então quando ele fizer o pedido para estudar, vamos ouvir a Gesipe (Gerência do Sistema Penitenciário) para saber se há viabilidade, e pedir vistas do Ministério Público para chegar a uma decisão. Seria necessário o deslocamento de pelo menos quatro agentes todos os dias em que o preso fosse assistir aula. Depois que o pedido for feito, a decisão sai em 10 dias”, explicou.

Em todo Estado, 852 apenados se inscreveram para realizar as provas, 44 conseguiram nota suficiente para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e apenas cinco garantiram vagas em universidades públicas.

Além de Márcio, outros três detentos também garantiram vagas no ensino superior. Uma apenada do Presídio Feminino de Campina Grande conseguiu pontuação para cursar Pedagogia (616,10). Um detento do Roger fez pontuação suficiente para Física (606,52), e outro da Máxima de João Pessoa conquistou o primeiro lugar dos inscritos para Biblioteconomia (591,82).

O que ainda não se sabe é como esses detentos vão cursar as disciplinas. No Serrotão, onde 34 apenados fizeram as provas, ainda não há nenhum caso de um interno que conseguiu cursar o ensino superior durante o regime fechado, mesmo garantindo vaga em uma universidade.

Fonte: Correio da Paraíba 

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