29 MAR 2024 | ATUALIZADO 18:35
MOSSORÓ
Da redação
14/08/2018 15:35
Atualizado
14/12/2018 06:33

Salinização provoca mortandade de peixes em Passagem de Pedras e afeta centenas de pessoas

Pescadores relatam que as empresas de sal e produtores de camarão voltam a prejudicar a atividade pesqueira na região ao despejar rejeitos; salinas negam e diz que é "rescaldo topográfico"
Cézar Alves
WILLIAM ROBSON
Especial para o MOSSORÓ HOJE

Ao chegar na localidade de Passagem de Pedras, na zona rural de Mossoró, uma obra chama a atenção: a construção de uma ponte aproximando o pequeno lugarejo à cidade. O caminho feito atualmente até o Centro através da BR-110, será encurtado fazendo os moradores chegarem rapidinho através do bairro Barrocas. A obra visa desafogar o fluxo de veículos e caminhões da Petrobrás na rodovia e evitar o trânsito por dentro da zona urbana. 

Outra coisa também chama atenção para quem chega na comunidade: o cheiro forte de peixe morto.  Para os que moram em Passagem de Pedras, isso é recorrente. "Todo ano tem", diz Fernando Martins, presidente da associação dos moradores. O problema é que ninguém se acostuma com a recorrência.


Obras para a construção de uma ponte que vai facilitar o acesso dos moradores e de veiculos pesados de Passagem de Pedras à cidade

Todos os anos, salinas e produtores de camarão da região despejam uma grande quantidade de rejeitos que, ao alcançarem o rio Mossoró provocam uma tragédia. Matam todos os peixes, afetam o mangue e, consequentemente, atingem todo o meio ambiente. Como se não bastasse, mais de cem famílias que dependem da pesca na área são afetadas. "Até setembro não teremos mais nenhum peixe. Daqui até Grossos será assim e ninguém vê", disse um dos pescadores.

A denúncia dos pescadores é antiga, mas eles admitem que não tem força para enfrenta os empresários que exploram economicamente as salinas. Acreditam que os órgãos de fiscalização fazem vistas grossas para o problema que perdura há anos.



Na área mais próxima de algumas salinas, onde a barragem acumula os rejeitos, os peixes já não existem mais. No lugar, o que se vê são rasantes de urubus e pescadores lamentando. Fernando Martins explica que ainda esta semana,  a extensão da mortandade de peixes deva alcançar o outro lado da barragem, onde ainda se pode pescar. "Agora vocês não estão vendo nada, mas hoje se vocês voltarem já verão a desgraça", relatou.

Os pescadores deixaram as proximidades da salina e, indignados, foram para a outra margem do rio Mossoró, onde os efeitos não atingiram os peixes. Ainda. Lá, os pescadores conseguem pescar uma boa quantidade de tilápia, mas sentem que não como antes. "A gente pescava dois baldes desses, cada um com 20 quilos. Hoje, temos um pouco mais de um", relatou o pescador Genilson de Sousa Santos. "Isso que estão fazendo é um crime".


O rio Mossoró, nas proximidades da área que está mais salinizada e que vem provocando a mortandade de peixes

Passagem de Pedra está a dez quilômetros do Centro de Mossoró e tem entre 800 a mil pessoas morando lá. Nem todas depende da pesca, segundo Associação de Moradores. Muitos são aposentados ou trabalham "na cidade". Outra parte, depende da pesca. "Não temos muitos pescadores aqui. Estes que estão pela barragem são todos de fora. Vem gente até da Serra do Mel", disse Fernando Martins.

O presidente de associação disse que já chegou a se reunir com o Ministério Público para tratar do problema em anos anteriores. Sem sucesso. Segundo ele, as salinas despejam os rejeitos uma vez por ano, o suficiente para prejudicar todo meio ambiente e a comunidade até o ano seguinte, se não tiver um inverno bom. "A gente depende da chuva para limpar e manter a reprodução dos peixes", explicou Fernando.



A situação é tão antiga que em 2013. a operação Ouro Banco, do Ibama fiscalizou áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de cursos d’água ocupadas pela atividade salineira e  35 empresas, entre elas as principais produtoras de sal da região foram autuadas. À época, foram 112 multas que ultrapassaram R$ 80 milhões.

 

"Do outro lado disseram que a água estava branca"


Os pescadores não querem esperar os peixes crescerem muito e pescam o que dá

Os pescadores se veem obrigados a não esperar o desenvolvimento dos peixes por conta da poluição causadas pelas salinas e produtores de camarão às margens do rio Mossoró. "Não podemos esperar muito porque deste lado ainda tem peixe. Só não sabemos até quando", disse o pescador Raimundo Nonato, há três meses trabalhando às margens do rio Mossoró e que já sentiu os efeitos da salinização do rio.

"Antes, a gente pescava os peixes maiores, mas agora se a gente demorar muito, o sal come tudo. A água é tão salinizada que nem os peixes de água salgada suportam", comentou o pescador Genildo Sousa Santos.



Os pescadores aproveitam um pequeno trecho na barragem em volta de pedras que surgem com a baixa do rio. Eles dizem que a água  represada ainda mantém alguns peixes vivos, ao contrário da área próxima às salinas em torno de sete quilômetros do local. "Mas, o avanço é rápido, por isso não dá para esperar os peixes crescerem", explicou Raimundo. "E mesmo pequenos, são ainda melhores que os do outro lado".

"Os pescadores que estavam do outro lado disseram que a água estava branca de peixe morto", acrescentou Genilson. "Esse peixe serve muito para nós. Outros vendem ou trocam por feijão, macarrão, estas coisas".
 

Simorsal diz que problema é "natural"


Renato Fermandes, da Simorsal: "Não são rejeitos. É um processo natural que ocorre sempre"

O presidente do Sindicato da Indústria de Moagem e Refino de Sal do RN (SIMORSAL), Renato Fernandes, explicou que este fenômeno ocorre de tempos em tempos por se tratar de algo natural chamado de "rescaldo topográfico". 

O rescaldo topográfico seriam ondulações que provocam represamento e quando a maré alcança uma altura de 3,6 metros, joga a água salgada para o rio, provocando a salinização. "Por isso, não se trata de jogar rejeitos, mas de um processo de salinização provocado pela natureza", explicou.

Para evitar um problema maior, os salineiros contrataram um consultor para a elaboração de um canal para que as águas-mães pudessem ser desejadas novamente no mar, evitando que a contaminação do rio fosse maior. "A barragem também ajuda muito nisso. Não fosse, ela o rio inteiro ficaria salinizado", disse Renato Fernandes.
 

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