Médico Alexandre Motta: O legado de Lula foi permitir que as classes baixas pudessem sonhar
O médico Alexandre Motta lança hoje o livro Lula, coletânea de 105 artigos redigidos por jornalistas, advogados, professores, médicos, mestre e doutores, no RustCafé. Ele fala da obra e avalia o contexto político brasileiro.
Foi através de uma relação entre pequenas cidades nordestinas, Taperoá (PB) e Caetés (PE) que o médico infectologista Alexandre Motta se sentiu inclinado a escrever sua impressão e sobre seu contato rápido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A origem humilde o identificou, bem como testemunhar os entes que, na necessidade de se deslocarem para o Sudeste, buscavam sonhos e oportunidades. Tal relato é um dos artigos que estão no livro "Lula", a ser lançado hoje às 19h no RustCafé (Rua Francisco Isódio, 123, centro, próximo à Praça Bento Praxedes).
A identificação com o ex-presidente não se restringe a certas similaridades. Também está fortemente ligada a uma admiração pessoal, permeada em seu texto e nos demais artigos que compõem a obra – todas sobre sentimentos e intimidades envolvendo a figura do Lula e o seu governo.
O livro será lançado numa espécie de prévia das visitas que o ex-presidente fará em Currais Novos e Mossoró nos próximos dias. Em Mossoró, a caravana do Lula chegará na segunda-feira, com recepção marcada para o final da tarde próximo à Estação das Artes. "Este foi o mote, digamos assim", diz o médico, ao explicar as razões do lançamento da coletânea de 105 artigos redigidos por jornalistas, advogados, professores, médicos, mestre e doutores, num total de 300 páginas.
Nesta entrevista para o MOSSORÓ HOJE, Motta fala do lançamento, o que o torna o livro diferente de tantos outros trabalhos publicados sobre o ex-presidente, e aproveita para analisar o atual cenário político e econômico no país. Questiona o impeachment, fala em ruptura democrática. da necessidade de retornar à população as decisões da nação e do principal legado do ex-presidente, na sua opinião: a inclusão social.
MOSSORÓ HOJE –O que motivou o senhor a vir lançar este livro sobre o Lula em Mossoró? Qual a sua relação com o ex-presidente?
ALEXANDRE MOTTA – Na verdade, eu não posso dizer que conheço o ex-presidente pessoalmente. Em meados de 89, acredito, ele veio a Natal e eu apertei a mão dele em um determinado evento nos Astrais – uma antiga casa de show aqui de Natal. Eu cito isso no meu artigo. Não tenho relação pessoal com ele, porém sou um profundo admirador do seu legado, um legado importantíssimo de busca pela igualdade social no Brasil. O motivo de lançar [o livro] em Currais Novos e em Mossoró deve-se ao fato de a caravana de Lula estar programada para passar por estas cidades. Este foi o mote, digamos assim. Um evento pré-caravana. Uma iniciativa pessoal minha, mas com o apoio de pessoas que compartilham das mesmas ideias. Por isso, a razão deste evento em Mossoró [hoje] e no sábado em Currais Novos, na Praça Cristo Rei, na Casa de Cultura, às 19h.
O que o leitor pode esperar de diferencial nesta coletânea de artigos diante de tantas outras de caráter biográfico ou de análises políticas?
É uma coletânea sobre as vivências pessoais dos autores que compõem o livro, as suas impressões acerca do ser humano Lula. E também acerca da política que ele exerceu enquanto presidente da República e como isso repercutiu na vida de cada um e do país. São textos diversos, interessantes, desde ex-ministros, como o Temporão [José Gomes Temporão, ministro da Saúde de março de 2007 e sucedido em 1 de janeiro de 2011] até estudantes, professores, mestres, doutores, trabalhadores em geral. Há ainda quatro médicos e eu sou um deles. Em suma, esta é a grande diferença em relação a outras obras. Não se trata de um livro biográfico ou sobre as ações do seu governo, mas de impressões do personagem Lula para os seus diversos autores.
De que trata, especificamente, o seu artigo no livro.
Eu faço uma comparação. Primeiro, eu puxo meu histórico pessoal e faço um comparativo com o histórico pessoal do Lula. Eu sou filho do Rio Grande do Norte, mas os meus pais são paraibanos. Passei muitas férias na Paraíba, numa cidade chamada Taperoá, que tem como dois dos seus filhos adotivos o Ariano Suassuna e o Vital Farias. Faço um link entre Taperoá e Caetés, a cidade em que Lula nasceu em Pernambuco. Eu, como menino, via amigos e colegas irem embora para São Paulo, em busca de alternativa, assim como Lula fez. E, por coincidência, eu sempre viajo para o sertão para visitar Taperoá e Alagoas, onde tenho pessoas da minha família enterradas. Faço isso anualmente e não quero perder este vínculo. Este motivo afetivo me fez passar por Caetés algumas vezes e isso me fez perceber as mudanças que ocorreram na cidade-natal do Lula e nas demais cidades do Nordeste de uma forma geral. Então, o meu texto, especificamente, fala das transformações que aconteceram no Brasil, estabelecendo o meu link da minha história pessoal com a história do presidente Lula, algo sem dúvida, marcante.
Como o senhor vê o atual cenário político brasileiro e onde Lula se insere?
Lula é o personagem central neste momento. O país vive uma situação limítrofe, algo impensável para uma democracia respeitada – como éramos até bem pouco tempo. Hoje não somos mais uma democracia, burlamos e criamos uma condição falsamente legal para subverter a ordem, a uma eleição. Anulamos 54 milhões de votos sob alegação de pedaladas fiscais, o que nada mais é que um remanejamento orçamentário sem autorização do Congresso. Em cima disso, se retirou o mandato de alguém legitimamente eleito, de uma mulher que, mesmo com os defeitos que queiram imputar a ela, não é desonesta. Não cometeu crimes, por isso, não deveria ter havido o impeachment. O impeachment foi uma farsa montado por setores da elite brasileira, pelos políticos descontentes com a forma de como ela os tratava e também pela nossa Direita, que é essencialmente, golpista. A Direita brasileira não tem votos, não tem programa, nem condições de ganhar eleição. Precisa subverter a ordem através de golpes. Tentou fazer um 54, com Getúlio [Vargas], com Juscelino [Kubitschek], fez com João Goulart, tentou fazer isso com a história do Mensalão, mas não conseguiu devido à alta popularidade de Lula, e agora conseguiu com Dilma. Então, o momento é muito ruim, com um cenário conturbadíssimo. Não há nenhuma força hegemônica que consiga reverter isso. O Congresso hoje está completamente maculado por sua postura dissociada da sociedade e tenta implantar um programa que não foi eleito. Por isso, é um golpe. Um golpe contra a democracia, contra o direito das pessoas.
Como as reformas também?
Isso. As reformas trabalhistas e da Previdência são absurdos de serem implantados por um Congresso que não recebeu esta delegação da população. É uma situação complicada, em que não vejo solução, através de pacto social, sem que haja eleições diretas e com personagens passíveis de serem eleitos, como o presidente Lula.
Esta coletânea será lançada às vésperas da caravana do Lula passar por Mossoró. Como o senhor avalia esta turnê do ex-presidente pelo Nordeste, visto que há pretensão de expandi-la para o restante do país?
Isso que está acontecendo é um fenômeno. E fenomenal também é o noticiário nacional não dar a menor bola. A caravana do Lula tem arrastado multidões por onde tem passado, com muita emoção e afetividade. Chegou ao ponto do ônibus do ex-presidente ser parado n BR em Sergipe pela população que invadiu a pista. Isso seria notícia em qualquer lugar do mundo, como tem sido noticiado constantemente pelos grandes jornais mundiais. Só não é notícia aqui, o que demonstra a parcialidade de como a nossa mídia trata o tema. Os blogs e jornais locais têm noticiado, mas a nível de grande imprensa é pífio. A caravana, em si, tem um simbolismo muito grande, porque significa Lula voltando às suas origens e, acima de tudo, indo ao encontro do povo para falar das suas necessidades.
Em video, Alexandre Mota fala sobre a corrupção no Brasil e propõe uma reflexão.
Você acredita que o ex-presidente Lula será candidato em 2018? A Justiça deverá permitir?
Essa é uma pergunta que tem algo de subjetivo e de objetivo ao mesmo tempo. No objetivo, eu creio que ele deva ser candidato e a sua proibição será algo muito estranho. O processo da Operação Lava-Jato é esdrúxulo, com a sentença do juiz Moro previamente anunciada, ou seja, todos já sabiam como seria a decisão. Ele tem o comportamento de um juiz parcial. Poderíamos perguntar: cite o nome de um político tucano investigado ou julgado pelo juiz Moro. Não falo dos que têm foro privilegiado, falo de qualquer um. O PSDB tem sido amplamente denunciado na Lava-Jato, mas ele chegou ao escárnio de dizer que denúncias para A ou B não vinham ao caso. Então, parte do Judiciário tem uma postura parcial, algo muito claro (lembra do juiz da Bahia que negou Lula de receber um título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano?). Outra: uma senhora, supostamente milionária e herdeira de banqueiros suíços, resolveu doar R$ 500 mil ao Lula e um juiz a proibiu alegando que ela deveria pagar uma dívida de litígio. O juiz faria isso se ela decidisse fazer a mesma doação para a Apae? Ou fez isso apenas porque o beneficiário seria o Lula? Esta questão da partidarização do Judiciário precisa ser estudada e debatida. E é provável que queiram impedir Lula de concorrer, já que não há segurança eleitoral de batê-lo nas eleições de 2018. A Direita busca os mecanismos para isso e se vale de um juiz que adora tirar fotos com Aécio Neves, sem pudor de estar em festas promovidas por pessoas do PSDB, como o Dória e o Alckmin. Um juiz claramente antipetista. Espero que, para o bem da saúde democrática brasileira, que o Lula possa participar. As eleições sem ele em 2018 seriam ilegítimas.
Como o senhor avalia o governo Temer, o seu futuro e de seus aliados para as eleições do ano que vem?
Um desastre. A Ponte para o Futuro, o documento que se baseia todo o norte de seu governo, é uma pinguela para o passado, como disse alguém. Estamos, de fato, retroagindo, como a legislação trabalhista que voltou ao período pré-Vargas. O que se quer com a Reforma da Previdência é permitir que os bancos possam ganhar mais ao vender títulos de previdência privada para as pessoas. Nada vai melhorar. A pergunta que você poderia fazer é: se as reformas são tão boas, porque eles não se inserem nelas? Por que juízes, deputados e senadores e o presidente não entram? Querem um grande sacrifício nacional que não é compartilhado por todos, nem pelo andar de cima da sociedade. O governo Temer está quebrando a capacidade do Estado de ser o motor da economia. E é fácil de raciocinar. Se as pessoas vão ganhar menos, terão menor poder de compra e, consequentemente, menos crédito. O comércio vende menos e comprará menos da indústria, que desempregará mais gente. E criamos um círculo pernicioso. É isso que o governo Temer está fazendo. Um desastre para todos e até para os mais ricos. Associado a isso, temos os representantes eleitorais deste governo. No Rio Grande do Norte, temos sete deputados federais que apoiaram o impeachment e o Governo atual até um certo tempo, excetuando a nossa honrosa deputada Zenaide Maia e da nossa senadora Fátima Bezerra (os outros dois senadores, Garibaldi e Agripino, apoiam este governo). O desgaste para estas figuras tem sido grande. Onde chegam são vaiados, porque as pessoas entendem que venderam a alma ao diabo. E não é trocadilho. Essas pessoas correm o risco de serem derrotadas. Existe uma possibilidade real.
Qual o legado do ex-presidente Lula na sua opinião.
É a inclusão social e isso não podemos negar. Eu tenho um filho que estudou no Instituto Federal de Educação. No ano que ele entrou, o filho da minha empregada também entrou. Os dois fizeram seus cursos e entraram na universidade. Então, existem inúmeras histórias de pessoas que mudaram suas vidas porque havia uma meritocracia de fato, e não de araque. Um amigo, professor do IFRN, disse que tem um aluno do IF de Pau dos Ferros que nunca viajou sequer para Natal, mas a sua primeira viagem para apresentar sua pesquisa, foi para a França. Isso é repleto de significados. No livro, eu cito um caso em Monteiro (PB), onde estava na inauguração da Transposição do Rio São Francisco. Ao meu lado, estava um cidadão. Quando Lula falava, ele aplaudia. Num certo momento, Lula citou o Prouni, o programa de financiamento à universidade, e o cidadão começou a gritar: "Eu, eu, eu, eu!" E disse uma frase emblemática: "Minha mãe é analfabeta e eu, que estudei na universidade pelo Prouni, sou professor do IF da cidade de Lula, em Garanhuns (PE)". Isso reflete o grande legado de Lula, a permissão para que as classes mais baixas, pela primeira vez, pudessem sonhar.