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VARIEDADES
Da redação
09/06/2017 22:17
Atualizado
14/12/2018 08:11

“Não era flor que se cheire”, acusa Diógenes; “Ele já pagou pelos crimes”, rebate Honório sobre Jararaca

Assista compactos em video do atuação brilhante do advogado Diógenes da Cunha Lima e da atuação igualmente brilhante de Honório de Medeiros, assim como a sentença final do Juri com o juiz Breno Valério
A sociedade mossoroense, por 6 votos a 1, nesta sexta-feira, 9, decidiu pela absolvição do cangaceiro José Leite de Santana, o Jararaca, 90 anos depois dele ter invadido a cidade de Mossoró, sob o comando do temido Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que queria extorquir 400 contos de réis do então prefeito Rodolpho Fernandes.

Ao final dos debates, os sete jurados decidiram pela absolvição do réu, considerando que ele já havia pago pelos crimes que cometeu ao ser espancado, esfaqueado e enterrado vivo seis dias depois de ter sido preso pela polícia. Condena-lo agora, seria o mesmo que aplicar duas penas por um crime só.
 
O julgamento, organizado pela Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), seguiu os ritos previstos no Código Penal para um Tribunal do Júri Popular, apenas com poucas alterações em função das circunstâncias. Contou com a presença de alunos, professores, diretores de faculdade. Até a prefeita e a vice prefeita prestiaram o evento, que está dentro da semana comemorativa dos 90 anos da resistência ao bando de Lampião em Mossoró.

O juiz Breno Valério Fausto de Medeiros abriu os trabalhos às 9 horas, com o oficial de Justiça José Maria (servidor da 1 Vara Criminal de Mossoró) fazendo a leitura do pregão.
 
Lido o Pregão do Tribunal do Júri, o juiz simulou o sorteio dos sete membros da sociedade mossoroense para compor o Conselho de Sentença, com o devido aceite do promotor de Justiça, na ocasião representado pelo memorável advogado/professor/escritor Diógenes da Cunha Lima, e também pela defesa de Jararaca, feito magistralmente pelo advogado, tambem professor e escritor Francisco Honório de Medeiros Filho.
 
Composição do Conselho de Sentença:

Inessa Linhares, advogada e professora
Ludmilla Carvalho, escritora e professora
Manoel Vieira Guimarães, Padre e escritor
Antônio Clóvis Vieira, professor e advogado
Lúcio Ney de Souza, advogado e escritor
Rubens Coelho, escritor e jornalista
Armando Negreiros, médico e escritor
 
Com o salão do Tribunal de Júri lotado, inclusive com a imprensa local e também nacional (Revista Piaui), se deu início os debates. Diógenes da Cunha Linha, como representante do Ministério Público, traçou um perfil do réu Jararaca. Lembrou que ele nasceu em 1901 e foi morto aos 26 anos, em Mossoró, no dia 20 de junho de 1927.
 
Neste intervalo ele fez muitas coisas ruins. "Ainda que ele tivesse feito alguma bondade, o que se sabe dele, não é coisa que se louve. Seu passado o incrimina. Seu passado lhe condena. Primeiro se diz que ele nasceu em Cuique e outros dizem que foi em Flores do Pajeú. Eu penso que ele nasceu em Cuique, pois ele não é flor que se cheire", diz Diógenes da Cunha Lima.

Ouvido pelo MOSSORÓ HOJE, Crispiniano Neto, acrescentou que Jararaca foi também jogador de futebol antes de entrar, em definitivo, no cangaço. 
 
O renomado jurista segue em sua fala defendendo a tese de que os cangaceiros eram capazes de tudo, inclusive de matar mulheres e crianças, sem falar que costumavam cortar a língua daqueles que falassem o que eles não gostassem. Diógenes da Cunha Lima relatou um caso onde o cangaceiro castrou o noivo que se revoltou quando um cangaceiro beijou sua noiva e finalizou pedindo a condenação do réu.

"Assim era Jararaca", sintetiza Diógenes da Cunha Lima, encerrando sua fala pedindo a condenação do réu.
 
O silêncio da plateia foi quebrado no final da fala, com uma intensa salva de palmas, o que é proibido num júri real, mas diante da atuação memorável do renomado advogado, os aplausos foram aceitos.

Um compacto, em VÍDEO, da exposição de Diógenes da Cunha Lima.
 
Já Francisco Honório de Medeiros Filho, fazendo o papel de advogado de defesa, expôs o que acredita ser o perfil do movimento do cangaço, destacando, neste contexto, o réu Jararaca. Após fazer um pequeno relato de como era o contexto social em 1920, disse: "Jararaca já nasceu condenado, pois era preto, pobre e bastardo, coisas que a sociedade daquela época reprovava com veemência", diz, lembrando o advogado que esta foi a primeira condenação sofrida por Jararaca. A segunda foi ainda mais cruel.
 
Lembrou que na época de Jararaca viveu não havia opções. Ou seguia as ordens dos senhores donos de terras ou alista-se no exército. Nas duas opções, o tratamento era escravista. Jararaca passou por este caminho e nos dois se indignou com a falta de liberdade. Ele não aceitava a falta de liberdade. Teria entrado no cangaço numa luta por liberdade. Acrescentou que a mesma luta que pode ser vsita hoje por direitos, já existia naquele tempo. Cada um de seu modo.
 
Honório de Medeiros destacou, no entanto, que nada disto justifica os crimes terríveis praticados por Jararaca até completar os 26 anos. Os cangaceiros como Jararaca colonizaram o sertão do Nordeste com sangue, movido por um espírito de liberdade. Lembrou que as "volantes do Governo Federal" eram tão bandidos quantos os cangaceiros. Faziam o mesmo que os cangaceiros, ou seja, matavam, saqueavam e faziam todo tipo de atrocidade.
 
Com apoio do petroleiro aposentado, Kildelmir Dantas, um profundo conhecedor do movimento do cangaço, Honório Medeiros construiu a tese de defesa, destacando, ao final, que Jararaca foi preso no dia seguinte ao combate, seis dias depois levado ao cemitério, onde foi espancado, esfaqueado e enterrado vivo pelas forças de segurança do Estado, sendo condenado pela segunda vez e de forma cruel.
 
Chamou atenção do Conselho de Sentença, neste vídeo (compacto) que um réu não pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime. Julgado, até pode, mas condenado não. No caso de Jararaca, segundo o renomato jurísta falou ao MOSSORÓ HOJE, o réu foi julgado três vezes, condenado cruelmente em duas e absolvido em uma. Para o advogado, a decisão do Conselho de Sentença, mesmo que 90 anos depois, num julgamento histórico, foi sábia.
 
Ao final dos debates, o juiz presidente dos trabalhos, Breno Valério, explicou aos presentes como seria se fosse um Tribunal do Júri real. Pediu a compreensão de todos para não proceder na Sala Secreta os votos dos jurados, considerando que alí haviam muitos estudantes e assim eles poderiam observar como se procedia num juri real. Num juri normal, quando se chega a 4 votos sim ou não a favor do réu, a votação termina e o juiz faz a leitura da sentença alí decretada.

Considerando as circunstâncias especiais do julgamento em questão, o juiz Breno Valério optou por coletar todos os votos dos sete jurados no plenário. Entretanto, não impôs aos jurados, vários quesitos como ocorre num júri normal. Os jurados responderam, apenas, se Jararaca era vítima ou culpado. Ao final, quebrou o protrocolo normal de um júri mais uma vez e pediu uma salva de palmas para a atuação dos juristas que atuaram na acusação, na defesa e tamém ao Conselho de Sentença. O próprio Breno Valério foi muito aplaudido, após um pedido do respeitado e querido advogado Marcos Araújo, que estava na plateia.

Segue o VIDEO da leitura da sentença que absolve o cangaceiro Jararaca.

Notas

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