Juiz José Herval Junior
Como prometido no texto "Bem ou mal o STF decidiu, trazendo segurança jurídica ao processo do impeachment", analisei o conteúdo meritório de todas as manifestações das partes e amicus curiae, bem como os votos proferidos pelos Ministros na decisão que sedimentou os pressupostos e principalmente o rito do processo de impeachment, o qual deverá ser aplicado no processo em curso nesse sentido e uma conclusão inarredável tirei e emitirei de plano, ao ponto de se constituir como a própria razão de ser desse texto, qual seja: não se pode presumir que os votos foram tendenciosos por questões partidárias, por mais que subjetivamente possam ter sido, isso não é aferível objetivamente.
Pensar diferente dessa premissa é, indiscutivelmente, trazer elementos emocionais ao processo que não podem ser comprovados, mesmo se tendo ciência de que o próprio procedimento de ingresso dos Ministros no STF é um ato político[1], em que os escolhidos, muitas vezes, tiveram que pedir a sua indicação aos atores desse cenário, que depois podem lhes cobrar a fatura.
Entretanto, tal fato por si só não é suficiente, pelo menos no nosso sentir, para que se conclua que os votos proferidos pelos Ministros no aspecto objetivo e a fundamentação neles contida não seja razoável e principalmente que outro elemento tenha sido preponderante.
Antes mesmo de nos manifestarmos sobre a razoabilidade da interpretação que fora feita pelo STF no julgamento em análise, ainda se faz necessário que se diga que justamente os Ministros mais ligados ao governo, segundo a própria imprensa, que com todo respeito fala o que quer nesse setor, afora Gilmar Mendes[2], foram os que interpretaram de modo mais objetivo em desfavor da Presidente.
Fica a pergunta: será que tudo isso foi um teatro para encobrir a verdade do desejo do Tribunal em intervir no resultado do impeachment?
Referimo-nos ao Relator Edson Fachin e ao Ministro Dias Toffoli, aos quais em seus respectivos votos, nos pontos principais e que comentaremos, votaram objetivamente em linha de pensar que, acaso prevalecessem na prática, facilitaria o processo de impeachment, pois, indiscutivelmente, a situação da Presidente é bem mais confortável no Senado. Daí a pergunta: votaram porque realmente pensam dessa forma ou porque querem deixar claro ao público que não são pau mandado do Governo e do PT, aos quais com relação a este último inegavelmente tiveram ligações objetivas no passado?
Sinceramente, nunca poderemos ter uma resposta objetiva a esse tipo de questionamento, pois tanto os seus votos quanto os demais que divergiram são interpretações razoáveis do texto normativo da Constituição e com todo respeito que nutro a quem pensa diferente, soa no mínimo estranho a publicização de que o STF rasgou a Carta Magna quando deu mais poder ao Senado Federal no processo de impeachment.
Será que a Constituição atual realmente não fez isso em relação aos textos anteriores?
Portanto, fechando o raciocínio nessa primeira parte afirmo que uma conclusão de tendência política em um julgamento para ser aceita ter que vir comprovada de elementos objetivos e ao mesmo tempo ser uma decisão teratológica e com fundamentação deficiente ou até mesmo sem fundamentação, não se aceitando essa pecha quando se verifica objetivamente ser uma interpretação possível dentro da própria semântica dos textos e dos precedentes que junto com tal decisão foram trazidos.
Feitas tais considerações vamos nos debruçar objetivamente - e talvez mesmo assim sejamos taxados de partidários, como inclusive já estou acostumado[3] - sobre os fundamentos trazidos pelo STF para dizer que cabe ao Senado fazer nova admissibilidade, ou melhor, ser deste o papel de iniciar o processo; quais os ritos que devem ser aplicados na Câmara e no Senado dentro de suas respectivas atribuições; como deve ser a votação para escolha de membros das Comissões especiais e, por fim, se cabe candidaturas avulsas, tudo tendo como pano de fundo aferir se o STF interferiu com dua decisão em atos interna corporis do Legislativo e se através de sua decisão quis interferir no próprio mérito do impeachment, o qual, não se discute, é ato de exclusiva apreciação dos parlamentares.
Desta forma, é cristalina a necessidade de contenção do STF no processo de impeachment e mesmo respeitando sua Excelência Ministro Gilmar Mendes[4] não concordo com a insinuação feita de que a decisão do Tribunal tem endereço certo, ou seja, que por via obliqua deseja interferir no mérito e livrar a Presidente Dilma do impeachment[5].
A decisão que acabou prevalecendo ao final nos pontos chaves, pois na maioria dos pedidos feitos pelo PCdoB os ministros acompanharam o Relator, é plausível e tem fundamentos sólidos dentro do ordenamento jurídico, não podendo, por conseguinte, ser taxada de uma decisão casuística, até mesmo porque teve como base um processo de impeachment já ocorrido depois da Constituição de 1988, ou seja, fazendo-se a devida filtragem constitucional da lei 1.079/50 e impondo um rito que fora observado, logo não se partiu do nada como se diz.
E esta premissa foi trazida como fundamental pela divergência aberta pelo Ministro Barroso inicialmente e repisada voto a voto com os que acompanharam, logo mesmo podendo ser a opção errada, segundo a maioria da doutrina pelo que se divulga, não pode ser tida como esdrúxula, mesmo se reconhecendo, desde já, que as circunstâncias fáticas e até mesmo jurídicas da época do impeachment de Collor eram totalmente diferentes de agora e será que por isso, 25 anos depois, deveríamos mudar o rito e continuar a entender que a atribuição da Câmara é a mesma, se porventura a tese que prevaleceu no STF vier a se sedimentar e mesmo que isso não ocorra, pode-se afirmar que a mesma rasga a Constituição?
Penso que não, pois mesmo não estando ainda totalmente convencido de que realmente o Senado Federal recebeu da Constituição todo esse poder, alguns ingredientes autorizam sim essa conclusão e foram trazidos na decisão combatida.
Primeiro, a configuração da Constituição de 1946 e as demais que a sucederam até a de hoje tratou diferente a atribuição da Câmara nesse processo e a lei que é de 1950 regulamentou em cima da realidade constitucional de outrora e o ideal seria que o legislador já tivesse feito uma nova lei, pois só assim não teríamos esse problema, ressaltando ainda a possibilidade de inconstitucionalidade de eventual lei acaso desse poder maior do que o disposto na Carta dentro da interpretação que fez o Supremo nesse julgado.
Entretanto, mesmo assim, boa parte dos problemas atuais não ocorreriam se o Legislador tivesse feito sua parte e muito dos problemas que chegam ao Judiciário tem justamente essa ausência de atuação legislativa e o STF tem que responder aos pleitos que lhe são feitos e fazer a devida acomodação com a nova ordem constitucional.
E fazendo no que tange a lei 1.079/50, interpretando a expressão processar e julgar presente no artigo 52, bem como a autorizar do artigo 51 e em especial a admitida a acusação do artigo 86, fez uma interpretação sistêmica e possível, levando em consideração o que se estabeleceu no último impeachment, concluindo que o Senado não se encontra restrito a admissibilidade feita pela Câmara, até mesmo porque quem pode o mais pode o menos.
A autorização pode sim ser uma fase pré-processual e isso não é invenção alguma, pois se sabe que quem faz o juízo meritório sempre tem o juízo de admissibilidade e a própria expressão instauração para fins de afastamento automático da Presidente para nós é razoável no sentido de que a partir dali se tenha como efetivo início do processo.
Portanto, o que aqui repudiamos é a crítica muitas vezes apaixonada de que tudo isso foi feito de modo proposital para intervir no mérito do processo de impeachment, lembrando ainda que o Senado dentro do bicameralismo é a chamada Câmara Alta, em que os problemas cruciais passam justamente por ela e o afastamento de alguém que recebeu a chancela do povo é algo excepcional, sendo razoável a interpretação de cautela.
Outro ponto importante é que a judicialização da matéria acabou ocorrendo por mudança do rito feita pela Câmara, em especial por seu Presidente[6], a qual com todo respeito a sua pessoa e ao seu direito de defesa já deveria ter sido afastado de seu cargo, que fora indiscutivelmente utilizado como moeda de troca, logo como já fez diversas vezes, quando seu interesse pessoal não é satisfeito, ele muda as regras do jogo[7].
Desta forma, vê-se que a decisão é no mínimo razoável e encontra amparo em diversos fundamentos, não podendo ser estigmatizada do modo que está sendo, com todo respeito que se tem a quem entenda contrário.
O segundo ponto chave é mais objetivo ainda, pois se adotam os ritos que foram aprovados em sessão administrativa do STF no último impeachment com pequenas mudanças pontuais ante a própria configuração da mudança de atuação da Câmara dos Deputados, dentro do que restou deliberado.
E no que tange ao voto secreto ou aberto, sinceramente ambas as posições são mais do que plausíveis, lembrando que a opção talvez por não se aceitar a escolha do modo que tenha sido feito, tenha se dado pelas patentes manobras de Eduardo Cunha e este com certeza acaba se confundindo com a instituição e com todos os deputados, o que é muito ruim para o país e a própria democracia.
Por fim, a não aceitação da chapa avulsa, além dos comentários já feitos da politicagem que impera com muita veemência na Câmara dos Deputados - pelo menos no aspecto formal - é um prestígio que se deu a força que os partidos políticos deveriam ter na prática, pois infelizmente a desestruturação dos mesmos é uma das tônicas de nossa política[8].
E o que fez o STF na decisão combatida foi salutar diante do que vimos na prática ocorrendo com os partidos políticos, deu aos mesmos, através de seus lideres na Casa do Povo, o direito de indicar, respeitando-se a proporcionalidade exigida na Constituição Federal, os membros que irão compor a Comissão Especial.
Sinceramente pode-se dizer que isso é rasgar a nossa Constituição?
Portanto, concluimos esse texto, o qual acabou ficando maior do que o desejado, do mesmo modo que começamos, afirmando que a decisão do STF pode não ter sido a melhor decisão dentro do ordenamento jurídico e talvez até não concorde totalmente com a mesma, contudo, não foi uma decisão teratológica e muito menos passível de que se diga que foi tendenciosa, pois sabemos que a má-fé não pode ser presumida, devendo sempre ser comprovada.
Destarte, não concordamos com as críticas ferrenhas e muitas vezes apaixonadas feitas à decisão e muito menos a assertiva de que houve uma espécie de teoria da conspiração para salvar o mandato de Dilma, pois não podemos perder a esperança no Poder Judiciário, o qual, com certeza, também tem suas mazelas, muitas vezes até mesmo ligadas com a corrupção, contudo, é hoje o Poder que vem laborando forte contra a corrupção no país, nos dando a esperança de que a lei é igual para todos e que muitos antigos bandidos do colarinho branco e empresários poderosos também vão para a cadeia, incluindo políticos que passavam incólumes dos presídios de nosso país e hoje os frequentam com assiduidade.
Não percamos nunca a esperança de mudança nesse país e nas instituições democráticas que o moldam como Estado Constitucional Democrático de Direito, pois a sua força está no seu povo, que a cada dia fica mais consciente e esperto ao ponto de perceber que infelizmente a maioria de nossos políticos não representam o verdadeiro interesse republicano, encontrando justamente no Judiciário o aliado necessário para combater o maior mal de todos, a corrupção espraiada em todos os setores de nossa vida pública e sociedade.
[1] O ideal seria que tivéssemos um processo de indicação republicano em que o escolhido não tivesse que pedir nada a ninguém e até mesmo sua arguição no Senado fosse a mais técnica possível, porque aí talvez não se fizesse tantas ilações de tendências políticas a partir de decisões como se vê hodiernamente. Será que não está na hora de mudarmos essa forma de ingresso de Ministros nos Tribunais Superiores?
[2] Sua Excelência indiscutivelmente, no bojo de suas ponderações, em muitos votos, assume um viés político e talvez seja o exemplo que ainda se objetive de que possa haver uma tendência política dentro do Tribunal e no julgamento do processo comentado não agiu diferente, contudo mesmo assim ainda não é suficiente para que se conclua que todo o Tribunal age dessa forma, pelo menos objetivamente, já que até onde sabemos não se controla aspectos subjetivos e principalmente não se comprova.
[3] Em minha atuação como Juiz, vez por outra acontece esse tipo de coisa e quando das últimas eleições que presidi e que por coincidência pura cassei todos os lados políticos tradicionais das cidades que atuei, até que isso acontecesse fui execrado publicamente por um dos lados e somente quando cronologicamente veio a cassação do adversário, a coisa diminuiu e aí pergunto eu seria obrigado a cassar todos os grupos políticos para ter isenção? Com todo respeito a quem pensa em contrário, claro que não e a minha decisão e a de qualquer juiz não pode ser criticada com viés político, presumindo, sem provas, que foi dada para agradar dado agrupamento político.
[4] A afirmação é muito grave e não condiz com o que se espera de uma Suprema Corte: “Assumamos que nós estamos fazendo uma manipulação do processo, para efeito ad doc. Para interferir no processo. Mas vamos dar a cara a tapa, vamos assumir que estamos fazendo isso com endereço certo. Estamos tomando uma decisão casuística." . Será que o STF está se excedendo em sua missão?”
[5] Falo com propriedade de quem desde o início, respeitando posições em contrário, disse que os fatos trazidos em na peça de impeachment são graves e precisam ser bem discutidos, no mínimo criando uma nova cultura de tratamento das contas públicas: "Impeachment de Dilma: a paixão esconde a verdade, principalmente agora depois da decisão do TCU".
[6] Desde o começo venho batendo na tecla junto com companheiro de luta contra corrupção Márcio Oliveira que Eduardo Cunha não tem a menor condição de continuar no cargo de presidente, pois quem perde é a própria instituição que não pode ser confundida com sua pessoa e é ai que reside o problemahttp://www.novoeleitoral.com/index.php/en/videos/225-dialogos/940-cunha-afastamento
[7] São várias as manobras que o Presidente da Casa fez e com certeza fará, registrando a última na própria escolha dos membros para Comissão Especial do Impeachment, em que perdeu segundo seus interesses e recorreu ao voto secreto no meio do processo, sagrando-se vencedor com uma comissão favorável ao impeachment. Não é assim que a sociedade espera que aja os políticos brasileiros.
[8] O ideal seria que os partidos fossem respeitados como entidades promotoras de uma verdadeira plataforma politica, com ideias e filosofia clara, trazendo propostas objetivas de melhoria de nossa vida em coletividade como dispôs a nossa Constituição senão vejamos Coluna Cidadania - Estado Democrático de Direito e Partidos Políticos, mas o que temos na prática "Ainda temos a direita e esquerda no Brasil?".