Por Mirella Ciarlini
Antes de buscarmos a resposta para essa pergunta, convidamos também a outras reflexões. Como o aborto é visto pela visão do amor verdadeiro? Como nós seres que recebemos dos nossos pais a oportunidade de nascer, vemos a própria vida recebida?
Dia desses minha filha de 17 anos chegou com um olhar inquietante. Sempre lhe falara sobre o aborto com a clareza de quem já sofrera na pele a dor profunda e quase inexplicável vivida quando tinha menos que sua idade.
Levada por algumas pessoas que diziam que estávamos indo para o médico constatar a saúde do bebê, fui levada para uma clínica de aborto. Os 16 anos não foram suficientes para imprimir a força que eu precisava para fugir da triste realidade vista como a melhor saída por pessoas que muito me amavam e que acreditavam estar fazendo o melhor. Mas a realidade é que uma dor e sofrimento profundos ficariam, a partir daquele momento, cravados na existência de muitos.
Sem jamais ter omitido aos meus filhos e a todos a quem tive oportunidade para transformar em educativa a difícil experiência, senti uma grande segurança na intervenção de minha filha: - Mãe. Tanta gente da minha idade, até mais nova está fazendo aborto. Que coisa terrível. Porque essas pessoas fazem isso? Porque não tem cuidado para não engravidar? Estou impressionada como a todo momento surgem notícias de que alguém de uma ou outra escola abortou.
Sim. Havia dor na minha filha. Há dor por onde o aborto ou mesmo sua simples notícia venha a passar ou por onde tenha passado. Dores profundas e sofrimentos com consequências físicas e psíquicas graves desse e do outro lado da vida. Não. Não nos cabe julgar, apontar, condenar... Jesus já advertia. "Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra" e também orava profundamente por cada uma de nós com consciência tão pouco despertada. "Pai, perdoai. Eles não sabem o que fazem".
No entanto o perdão e auto perdão ao qual fomos convocados por Jesus, também nos chamou para a responsabilidade. Para o trabalho contínuo do despertar da consciência e da construção de um EU de atitude renovada e em busca constante do caminho de luz e de amor. "Vás e não peques mais", também orientou de forma firme o Mestre aos seus seguidores.
A realidade do aborto convida a essa luta valorosa. Afinal, como tão bem representou Chico Xavier, "Ninguém pode fazer um novo começo, mas todos podemos recomeçar e fazer um novo fim". Por isso, por mais que a maioria de nós tenha vivido ou tenha conhecimento de alguém próximo que passou pela dor de tão grave experiência, vale despertar e aprender a lutar com mais luz e paz em defesa da vida.
Os pais em sua grande maioria enfrentam muitas dificuldades ou mesmo não falam de sexo. As escolas tentam, mas vivem emperradas na mesma dificuldade. Tabu, preconceito, medo de incentivar o que se desenvolve naturalmente e que nos dias atuais ainda ganhou componentes perturbadores pela velocidade da internet e pela fragilidade do valor das novas relações. A sociedade não fala de sexo, não busca cura e compreensão para própria sexualidade e no silêncio nunca inquebrantável dos lares apoia a morte daqueles entes queridos enviados por Deus para experiência na orbe terrestre ainda no ventre.
"Não, minha filha não pode perder sua vida na flor da idade". Se justificam alguns. "De forma alguma meu filho irá parar de estudar e buscar seu sucesso por causa de uma criança indesejada", bradam outros sem se darem conta que poderia estar ali a grande oportunidade da misericórdia divina que se revelaria mais tarde, caso houvesse oportunidade. A gravidez na adolescência é responsabilidade de quem? A gravidez inesperada na fase adulta é responsabilidade de quem?
É preciso se perguntar e se responder sobre algumas questões. Porque engana-se quem pensa que são apenas os jovens apontados como "irresponsáveis" que recorrem ao aborto. Quantos adultos não há que abrem mãos dos doces e angelicais filhos enviados por Deus para não verem quebrantar o egoísmo sob o qual constroem a atual existência?
No primeiro livro da codificação espírita "O Livro dos Espíritos" o aborto é esclarecido de forma profunda tanto pelas perguntas formuladas por Kardec, quanto pelas respostas dos Espíritos que não deixam dúvida alguma sobre a questão. Ei-las algumas delas abaixo desse artigo na íntegra, mas poderíamos ser ainda mais sucintos citando apenas a Lei maior expressa por Jesus. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo".
Pois tirar a vida no útero é agressão profunda à lei divina, violência contra o ser mais próximo que poderia haver na nossa existência e profunda violação da paz de nós mesmos com consequências dolorosas reparadoras naqueles que o praticam ou incentivam.
Consequências que alcançam também aos que fazem de sua prática verdadeiro comércio ignorando mesmo a missão sagrada assumida em da defesa da vida através de suas profissões. O espiritismo oferta também muitas outras obras espíritas que mostram com clareza os transtornos vivenciados e as consequências que cada ser envolvido no ato será chamado a reparar.
Problemática que estará melhor elucidada quando nós seres humanos compreendermos que o livre arbítrio não nos chama para a liberdade fria e vã da nossa visão ainda tão materialista. Mas principalmente para as dolorosas lições reparadoras que precisaremos travar em benefício das escolhas feitas de forma equivocada num momento de completo egoísmo, cegueira e ilusão.
357. Quais são, para o Espírito, as consequências do aborto?
— Uma existência nula e a recomeçar.
358. O aborto provocado é um crime, qualquer que seja a época da concepção?
— Há sempre crime quando se transgride a lei de Deus. A mãe ou qualquer pessoa cometerá sempre um crime ao tirar a vida à criança antes do seu nascimento, porque isso é impedir a alma de passar pelas provas de que o corpo devia ser o instrumento.
359. No caso em que a vida da mãe estaria em perigo pelo nascimento da criança, há crime em sacrificar a criança para salvar a mãe?
— É preferível sacrificar o ser que não existe a sacrificar o que existe.
360. E racional ter pelos fetos o mesmo respeito que se tem pelo corpo de uma criança que tivesse vivido?
— Em tudo isto vede a vontade de Deus e a sua obra, e não trateis levianamente as coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, que, às vezes, são incompletas pela vontade do Criador? Isso pertence aos seus desígnios, que ninguém é chamado a julgar.