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Retratos do Oeste
16/06/2016 10:17
Atualizado
14/12/2018 01:30

MPF/MG denuncia duas médicas e outras três profissionais por homicídio doloso

No dia 9 de junho de 2014, às 17h06min, o paciente I.F.L., de apenas oito anos de idade, deu entrada no pronto-socorro do HC-UFU com diagnóstico de cetoacidose diabética

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou duas médicas, uma técnica de enfermagem, uma enfermeira e uma farmacêutica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU) por crime de homicídio doloso (artigo 121 do Código Penal).

No dia 9 de junho de 2014, às 17h06min, o paciente I.F.L., de apenas oito anos de idade, deu entrada no pronto-socorro do HC-UFU com diagnóstico de cetoacidose diabética. Após receber o atendimento inicial, ele apresentou evolução satisfatória. Às 23 horas, a médica N.K.R.B. prescreveu-lhe cloreto de potássio 15% (128 ml) e soro fisiológico 0,9% (1 litro), a serem administrados no decorrer de quatro sessões.

O corpo de enfermeiros de plantão naquele dia, considerando altíssima a dosagem prescrita para uma criança de apenas oito anos e pouco mais de 32 quilos, questionou a médica residente, T.S.L.C., que, em resposta, disse que já havia checado e confirmado a prescrição feita por sua chefe, N.K.R.B.

A preocupação dos profissionais de enfermagem decorria do fato de o cloreto de potássio ser classificado como medicamento de alto risco devido aos graves efeitos que eventual erro de dosagem pode acarretar ao paciente. Para se ter ideia, esse é o produto utilizado nos Estados Unidos para provocar parada cardíaca nas execuções de condenados à pena de morte por injeções letais.

Por isso é que, no momento da liberação do medicamento na farmácia do hospital, a farmacêutica responsável, G.F.B., refutou a prescrição e se negou a fornecer o remédio, requerendo que a médica residente confirmasse novamente a prescrição. Como T.S.L.C. foi contundente em reafirmar a correção da dosagem, a farmacêutica, mesmo ciente do risco de vida para a criança, liberou o medicamento na forma solicitada.

Poucas horas depois, às 3h50min do dia 10 de junho, após receber a primeira das quatro doses do cloreto de potássio ministrado pela técnica de enfermagem J.C.C. e pela enfermeira F.C.R.R.C., a criança apresentou intenso sangramento gástrico, seguido de parada cardiorrespiratória, vindo a falecer menos de uma hora depois, às 4h15 minutos daquele dia.

Sindicância instaurada pela Comissão de Ética em Enfermagem concluiu que teria havido administração excessiva do medicamento, o que foi confirmado inclusive por exame de sangue realizado após a morte do menor. Também a Gerência de Risco do HC-UFU notificou o evento como "erro de cálculo da correção de potássio".

De acordo com a denúncia, como I.F.L. tinha apenas 32 quilos, ele somente poderia receber até oito mililitros do medicamento a cada hora. No entanto, foram-lhe prescritos 128ml de cloreto de potássio no período de quatro horas, o que daria 32ml por sessão. Ou seja, o paciente "recebeu dose quatro vezes superior ao recomendado pela literatura médica".

Assim que recebeu o medicamento, I.F.L. começou a se queixar de fortes dores, mas a enfermeira F.C.R.R.C., ao invés de interromper a medicação, determinou apenas que fosse feito novo acesso no braço direito da criança e que se continuasse o tratamento.

A denúncia relata que a médica N.K.R.B., "agindo com truculência e asseverando que, como ela era médica do caso, sabia muito bem o que estava fazendo, determinou que o medicamento fosse aplicado imediatamente, assumindo, assim, o risco de produzir o resultado morte".

Os demais acusados, "a despeito de terem prévia ciência da irregularidade na dosagem do cloreto de potássio e que a alta dosagem mataria a criança, inexplicavelmente forneceram e aplicaram o medicamento", assumindo, também, o risco da morte do paciente.

Segundo foi apurado durante o inquérito policial, uma das técnicas de enfermagem que estava de plantão, A.D.A., "recusou-se terminantemente a participar das aplicações, asseverando que elas iriam matar a criança".

Tentativa de acobertar o crime - Um terceiro médico, C.L.F.O., também foi incluído na denúncia, mas por ter agido para acobertar o crime e evitar que os fatos viessem a público.

Ao tomar conhecimento do ocorrido, C.L.F.O. informou falsamente aos pais do menor que ele havia falecido em decorrência de uma parada cardiorrespiratória provocada pelo diabetes. E ainda os convenceu a não autorizar a necropsia, argumentando que a realização desse exame somente traria mais tristeza e desconforto.

Acontece que, conforme explica a denúncia, a necropsia é obrigatória, não dependendo do consentimento da família sempre que a morte decorrer de algum evento externo.

Os profissionais diretamente envolvidos na morte do menor irão responder pelo crime de homicídio doloso com duas agravantes: a de ter sido cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão (alínea g) e por ter sido cometido contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida (alínea h), ambas do artigo 61, II, do Código Penal.

O MPF ainda imputou à medica N.K.R.B. a agravante do artigo 62, III, que consiste no agravamento da pena quando o agente "instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade".

Sua subordinada, a residente T.S.L.C. foi denunciada também por falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal), por ter inserido informação falsa na Declaração de Óbito, omitindo que a morte teria resultado de parada cardiorrespiratória decorrente de hiperpotassemia ou hipercalemia.

A denúncia ainda imputa ao médico C.L.F.O., que agiu para acobertar a real causa da morte da criança quando tinha o dever legal de determinar a apuração dos fatos, os crimes de prevaricação (artigo 319), fraude processual (artigo 347) e favorecimento pessoal (artigo 348), todos do Código Penal.

A denúncia foi recebida pelo juízo da 3ª Vara Federal de Uberlândia. Mas como se trata de acusação de homicídio doloso, o juiz ainda deverá decidir, após defesa prévia apresentada pelos acusados, sobre a pronúncia, que é o ato por meio do qual o magistrado decide se os réus devem ser levados a julgamento pelo Tribunal do Júri.

(Processo nº 6973-81.2016.4.01.3803)

Confira abaixo as penas previstas para cada crime:

Homicídio doloso - 6 a 20 anos

Falsidade ideológica - 1 a 5 anos

Prevaricação - 3 meses a 1 ano

Fraude processual - 3 meses a 2 anos

Favorecimento pessoal - 15 dias a 3 meses.

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