17 MAI 2024 | ATUALIZADO 08:33
NACIONAL
Da redação
26/08/2017 10:04
Atualizado
13/12/2018 08:29

Presidente do Instituto Paulista de Magistrados responde a revista Super Interessante

A revista destacou matéria com o título: Brasil, o País dos juízes ostentação"; Neste artigo, a presidenta do IPAM bate de frente com a reportagem; "total descompromisso com a verdade"
A presidente do Instituto Paulista de Magistrados (IPAM), Hertha de Oliveira Rollemberg Padilha de Oliveira, responde a revista Super Interessante a respeito da matéria “Brasil, o país dos juízes ostentação”. O comentário já está publicado na revista. Leia a íntegra do texto.

Juízes Ostentação?

Chama a atenção que no momento em que o Judiciário vem cumprindo, como nunca antes ocorreu, seu verdadeiro papel, rompendo com o histórico de impunidade dos abastados e poderosos, os vilões da vez eleitos pela imprensa passem a ser os juízes. Em artigos jornalísticos publicados recentemente o salário dos juízes é apontado como o grande responsável pelo consumo de 1,3% do PIB com o Judiciário. Acrescenta, ainda, que somados os orçamentos do Ministério Público e da Defensoria Pública (que não integram o Poder Judiciário, fique bem esclarecido) a Justiça no Brasil consome 1,8% do PIB, “algo próximo do orçamento do Ministério da Educação. Questão de prioridade”, arremata. Considerando que a informação esteja correta, o custo total do Poder Judiciário, poder estatal responsável pela manutenção da paz social por meio da aplicação do Direito ao caso concreto, equivaleria a algo próximo do orçamento de uma única pasta do Poder Executivo Federal (lembrando que cada estado membro tem orçamento próprio para suas respectivas secretarias da educação, assim como os Municípios, valores que não estão incluídos nesta conta).

Causa assombro que o valor seja considerado excessivo, mas mais do que isso, que a função jurisdicional seja considerada supérflua, como se a Justiça não gozasse da mesma importância que a educação, dentre as funções do Estado.

A par do fato da indisfarçável irresponsabilidade de tentar atribuir ao salário dos magistrados o custo integral do orçamento do Judiciário, e confundir indenizações e passivos remuneratórios com vencimentos, a afirmação de que a Justiça não deve ser considerada uma prioridade em um Estado Democrático de Direito, dentre os quais felizmente o Brasil se encontra, chega a ser pueril.

O relatório do CNJ de 2016 indica que o custo total do Poder Judiciário emprega 17.338 magistrados em atividade e 278.515 servidores e 155.644 auxiliares, totalizando um efetivo de 451.497 pessoas. Ou seja, os magistrados correspondem a menos de 4% da força de trabalho total do Judiciário. Obviamente que o orçamento não é gasto na íntegra com o pagamento de pessoal, ainda que as despesas de pessoal correspondam à maior parte do custo, porque a atividade envolve mão de obra intensiva. Mas atribuir aos magistrados os “altos” custos do Judiciário indica um total descompromisso com a verdade, ao contrário do que se espera de uma imprensa verdadeiramente informativa.

Outro equívoco recorrente é a comparação do custo do Poder Judiciário Brasileiro com o de outros países, normalmente países europeus, olvidando-se propositalmente dos índices de litigiosidade dos países envolvidos na comparação. O Brasil conta aproximadamente com 110 milhões de processos em andamento na Justiça, o que indica uma média de um processo por habitante, valores impensáveis em sociedades europeias ou de primeiro mundo, onde o cumprimento das obrigações, por quaisquer dos atores socais é a regra, e não a exceção.

Tragamos à realidade os números, pois “atrás do papel tem gente”, como não se cansava de dizer um magistrado que atuava na área da infância e juventude. Todos os dias magistrados estão decidindo questões que impactam diretamente na vida das pessoas, como o afastamento de agressores e medidas protetivas às vítimas de violência doméstica, a proteção emergencial e crianças e adolescentes em risco, garantindo a visita de pais a seus filhos, determinando a prisão de criminosos, garantindo a realização de cirurgias de urgência e tratamento negados indevidamente por planos de saúde, concedendo benefícios previdenciários arbitrariamente negados a incapacitados, revogando benefícios concedidos indevidamente, cobrando sonegadores de impostos, garantindo vagas em creches e escolas e o fornecimento de remédios, corrigindo atos arbitrários praticados por agentes públicos ou de improbidade administrativa, recuperando dinheiro do erário desviado por corrupção, garantindo a lisura de eleições, garantindo a restauração do meio ambiente e a reparação de crimes ambientais. Isto para não falar das decisões mais prosaicas, como restabelecer linhas telefônicas, obrigar o empregador a pagar corretamente os salários de seus empregados, resolver contendas de consumo, determinar o pagamento de dívidas, por vezes irrisórias, questões que seguramente não chegam aos judiciários dos países objeto da comparação, pela inviabilidade econômica, e que somente se justificam numa sociedade em que todos se veem como titulares de direitos, mas não reconhecem as próprias obrigações. Onde a sociedade parece ter perdido a capacidade de resolver seus conflitos, sem a interferência do Estado.

Por fim, mas não menos importante, convém uma análise das receitas do Judiciário, pois embora muito se diga a respeito de seu orçamento, pouco se fala de sua atividade arrecadatória. A maioria dos órgãos de Estado, independentemente do Poder a que pertencem, não possui qualquer espécie de arrecadação. O Judiciário, ao contrário, além de consumir, também gera receitas nada desprezíveis, seja com a arrecadação de custas e despesas processuais, receita decorrente dos impostos causa mortis e de execuções fiscais. Para se ter uma ideia, o Poder Judiciário do Estado de São Paulo, por exemplo, arrecadou, no ano de 2014, 58,4% do total de seu orçamento. NA média do período de 2009 a 2014, a arrecadação ficou em 57,5% de seu orçamento. No mesmo período, o Poder Judiciário do Rio de Janeiro arrecadou 66,9% de seu orçamento.* Isto para não falar dos bilhões de reais que estão sendo recuperados nas operações de combate à corrupção.

Em um ponto, no entanto, há que se concordar com o articulista. A educação há que ser prioridade absoluta se pretendemos um país melhor. Somente um povo educado e bem instruído adota a ética como norma de conduta e pode avaliar com isenção a importância de uma Justiça independente e eficiente na manutenção do Estado e das instituições democráticas.

Hertha Helena Rollemberg Padilha de Oliveira

Juíza titular da 9ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro

*Dados obtidos no Panorama do Desempenho do Tribunal de Justiça de São Paulo 2009-2015, pesquisa realizada com base no dados do relatório Justiça em Números do CNJ, pelo Instituto Paulista de Magistrados (IPAM).

Fonte: http://www.amb.com.br/artigo-da-juiza-hertha-de-oliveira-e-destaque-na-super-interessante/

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