Crianças com doença rara "moram" há três anos na UTI pediátrica e pedem ajuda para voltar para casa
Francisco Lucca Bezerra e Francisco Edson já perderam a maior parte dos movimentos e conseguem ainda comunicar através do olhar. E precisam voltar para a casa o quanto antes
WILLIAM ROBSON
Especial para o MOSSORÓ HOJE
Duas vidas recém-chegadas que se encontraram em situações muito semelhantes. Dois bebês com quase quatro anos, uma de Caraúbas e outra de Umarizal, que praticamente estão morando na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital Wilson Rosado, acometidas de uma doença rara de sigla ironicamente sugestiva: AME - Amiotrofia Muscular Espinhal.
Trata-se de uma doença degenerativa que compromete o desenvolvimento do sistema respiratório, afeta progressivamente os movimentos, além das dificuldades para comer, engolir e respirar.
As crianças têm histórias muito parecidas e ambas se chamam Francisco. Francisco Lucca Bezerra e Francisco Edson. Já perderam a maior parte dos movimentos e conseguem ainda comunicar através do olhar. Quando o MOSSORÓ HOJE visitou as crianças na UTI, Edson recebeu a equipe médica com os olhos marejados.
Lucca, quando estimulado, conseguiu mostrar onde estava o seu padrinho, Carlos Vannucy, também da equipe do hospital, apenas com a direção dos olhos. Praticamente, os dois viraram o xodó de todos na UTI que agora, ao lado das mães, são colocados a enfrentar um grande desafio.
As crianças precisam voltar para casa. Embora a doença não tenha cura e seja progressiva, ambas, internadas há mais de três anos no hospital, estão aptas para o convívio com a família. O problema esbarra na estrutura: seria necessário algo semelhante a um home care (equipe de saúde com vários profissionais) para que as crianças possam continuar vivendo.
A enfermeira Priscila Fernandes explicou que as mães receberam todos os treinamentos necessários para cuidar de seus filhos e lidar com a AME daqui para frente. Aliado a isso, precisam de estrutura e o principal deles é o respirador mecânico. As crianças não conseguem respirar por conta própria. Além disso, precisam de aspiradores e de reformas na estrutura das suas residências, como um quarto com refrigeração, colchões especiais e disponibilidade de materiais hospitalares, como sondas por onde canaliza a alimentação, fraldas e alimentos muito específicos. "Elas vão precisar tanto de estrutura física, quanto equipamentos ", explicou.
As mães Vilaneide Bezerra, do Lucca, e Francisca Kelly, do Edson, estão adaptadas quanto aos cuidados que precisam ter de agora em diante. E mostram-se muito ansiosas em voltar para casa. Praticamente ambas estão morando no hospital com seus respectivos filhos. Como moram em outras cidades (Vilaneide, em Caraúbas, e Kelly, em Umarizal) precisam passar a semana em Mossoró, onde não têm família. Para ajudar nas despesas, Vilaneide conseguiu um emprego de babá na parte da tarde. No restante do dia, fica no hospital.
"Elas realmente são treinadas, mas precisam de uma equipe multiprofissional também quando deixarem o hospital", adiantou a enfermeira. "As mães mudaram totalmente a rotina para vir para cá".
Ou seja, o desafio se torna ainda maior porque, além dos equipamentos e profissionais que precisam contar constantemente, ainda se dividem com suas famílias em seus municípios. "Passo a semana aqui e no final de semana fico com a minha outra filha na minha cidade", explicou Vilaneide.
A equipe médica que "adotou" as crianças iniciou uma campanha para arrecadação de material e para ajudar na estruturação dos quartos dos meninos. Já há planos de organizar um jantar beneficente. Atrelada a isso, as mães estão tentando apoio junto às prefeituras de sua cidade, que estão cientes da situação, e participam de constantes audiências judiciais para tentar obter, mediante decisão judicial, o tratamento que garanta a dignidade de seus filhos.
"Mas, como é algo muito demorado, elas estão dispostas a realizar campanhas porque elas têm pressa de levar seus filhos para casa", diz Priscila. "Elas estão há três anos. Estão cansadas e os meninos não têm mais indicação de estar na UTI". Enquanto a Justiça não decide, as mães de Lucca e Edson apostam na solidariedade das pessoas.
O tratamento que as crianças precisam não é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nem através de planos particulares, segundo explicou a enfermeira Priscila Fenandes. Mas, se os cuidados forem mantidos, a doença tende a progredir mais lentamente. "O tratamento é para que haja um controle da doença. Não há uma reversão, mas os cuidados são para que as crianças sejam mantidas num quadro mais estável", disse.
O fisioterapeuta João Paulo mostra os equipamentos que mantém Lucca e Francisco Edson vivos
Priscila explica o caso do Lucca e do Edson, especificamente: "Ele mexia os bracinhos e as perninhas, não era muito ativo, mas, hoje não consegue mais mexer. O que ainda consegue mexer é a boca. Já o Edson era mais ativo e agora já não é. O intuito é fazer com que permaneçam neste quadro, mas que consigam estar perto da família e com condições de estar", afirmou.
Foi disponibilizado duas contas bancárias para a quem quiser fazer doação.
Banco Itaú, agência 1468 - conta 32619-2, em nome de Vilaneide Francisca Bezerra.
Banco do Brasil, agência 1038-3 - variação 51 - conta 21205-9
Caixa, agência 3064 - OP 13 - conta: 50.788-0
Telefones para contato: (84) 98700-1988 e 9 9644-3706
Lucca começou a apresentar sinais com um mês e meio de vida
A primeira internação de Lucca, que nasceu em Caraúbas, foi quando tinha um mês e meio de vida, ficou oito dias no Hospital Regional Tarcísio Maia e voltou para casa. "Era uma criança normal, mas pouco tempo depois começou a apresentar cansaço, aí precisei trazê-lo para Mossoró. Passou dois dias aqui no Wilson e oito no Tarcísio Maia", relembra.
Lucca entre a mãe Vilaneide e a enfermeira Priscila Fernandes: campanha busca agilizar a volta das crianças para casa
Mas, o cansaço não parava e Vilaneide seguiu preocupada sobre o que poderia estar acontecendo com o seu filho. Nesta via-crúcis de internação, precisou ficar mais 22 dias no hospital. Foi quando o médico fez uma avaliação e, num pré-diagnóstico, acreditou que poderia ser Amiotrofia Espinhal com Síndrome de Pompe, um transtorno neuromuscular de origem genética.
Diante da notícia avassaladora, de que a criança estaria condenada a viver em uma UTI e que iria precisar de cuidados médicos mais sofisticados, Vilaneide percebeu que Lucca não iria voltar para casa. "O médico disse que ele iria cansar mais e não ir conseguir sair do aparelho, que iria ficar dependente. E realmente não saiu mais daqui", disse.
Vilaneide conta que começou a suspeitar de algo estranho com Lucca. Ele não se movimentava muito. Ele não ficava em pé, não se movia de um lugar para outro, tinha dificuldades para mamar. "Isso mudou muito a minha vida e a minha rotina. Minha rotina agora é aqui no hospital", diz ela, que também tem uma filha de oito anos, sem qualquer problema.
A equipe médica deu alta para Lucca e agora Vilaneide se vê diante de um outro obstáculo, mas mostra-se muito esperançosa. "Depois de mais de três anos, finalmente vejo uma chance, uma oportunidade de ele ir para casa, de a gente tentar viver em paz. Eu, ele e a irmã dele", espera.
Vilaneide está ciente dos desafios. "Não é fácil, mas vai dar certo, se Deus quiser. Tem muita gente de bom coração ajudando e isso nos ajuda a seguir".
"O médico me disse: tudo indica que ele vai ser um morador de UTI", disse a mãe do pequeno Edson
O pequeno Edson nasceu em Pau dos Ferros e está hoje com quase quatro anos. Era uma criança normal até os dois anos, quando começou a perder os movimentos. A avó percebia e estranhava o que estava acontecendo com o neto. Após três meses começou a sentir o mesmo cansaço do Lucca até o ponto em que este cansaço se agravou e o médico em Umarizal, onde mora, recomendou que a criança fosse transferida para o hospital Tarcísio Maia.
O pequeno Edson, ao lado da mãe Francisca Kelly, nasceu em Pau dos Ferros e está hoje com quase quatro anos
Edson foi entubado e Lucca já estava lá. O médico explicou que a doença do Edson poderia a mesma do companheirinho que acabara de conhecer. "O médico me disse: tudo indica que ele vai ser um morador de UTI", relembra. "Esta notícia para mim foi um choque, porque ele é o meu primeiro filho".
A "residência" do Edson realmente passou a ser a UTI. No caso, a UTI do hospital do Wilson Rosado. A rotina mudou na vida da Francisca Kelly. "Ainda bem que tenho minha mãe que me ajuda muito", diz. Kelly começou a perceber que a progressão da doença se tornou muito acentuada. "Cada dia, ele ficava mais dependente do aparelho e chegou num momento que o aparelho respirava por ele", relembra.
Todos nós temos um pouco de Lucca e Edson
A equipe da UTI pediátrica do hospital Wilson Rosado estão se empenhando em ajudar os meninos Lucca e Edson. Estão fazendo campanhas voluntárias, pedindo doações em dinheiro ou material, e cedendo uma conta bancária para isso.
Segundo Carlos Vannucy, que integra a equipe e um dos idealizadores da campanha, qualquer pessoa pode ajudar com tinta para a reforma dos quartos dos meninos, produtos que possam ser usados para sorteios, rifas, insumos. "Estamos aceitando seja o que for para que possamos ajudar as mães a equipar os quartos para receber os meninos", disse.
Outra forma de angariar recursos é a realização de um jantar. "Nós ganhamos um jantar e logo vamos divulgar o local e o dia", explicou.