Antes de iniciarmos o tema, devemos entender primeiramente o significado da palavra medo, pois bem; medo é “Estado emocional provocado pela consciência que se tem diante do perigo; aquilo que provoca essa consciência” ou seja, é um verdadeiro sentimento a um entendimento precoce ou real a algum tipo de ameaça ou temor de algo ruim que está por supostamente por vir.
Em todo o Brasil, está se discutindo e questionando a nova lei com conceitos positivos e negativos, urgindo assim, um verdadeiro debate nacional, no entanto, em meios aos debates, está surgindo também, discursos confusos e inseguros, principalmente pelas autoridades que são submissas a lei diretamente.
Na verdade, a “Lei de Abuso de Autoridade” não é novidade no Brasil. No ano de 1965, foi regida pela Lei 4.898 que tratava do mesmo tema, apesar de que, na aplicabilidade dessa lei, durante 54 anos, foi considerada pela nossa sociedade, como uma lei solta, branda, vazia, não punitiva e não taxativa, além disso era tão somente destinada ao Poder Executivo.
A nova Lei de Abuso de Autoridade, falo da Lei 13.869 de 05 de setembro de 2019 , expandiu o texto da lei anterior, abarcando os poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e inclusive o Ministério Público e as forças policiais ou seja: atinge diretamente todos os agentes públicos do Brasil e que de fato estão incomodados com aplicabilidade e eficácia da lei, ou seja: estão com “medo” de serem punidos.
Iniciando-se já em uma pequena análise, percebe claramente que a Lei 13.869 de 2019 evoluiu significativamente em relação a Lei 4.898 de 1965, possuindo um corpo mais taxativo e punitivo.
Na verdade, percebemos que alguns critérios da nova lei, já estavam presentes na nossa Constituição Federal de 1988, e que costumeiramente, os servidores públicos de modo geral não a respeitavam, inclusive ultrapassando e até mesmo exacerbando as suas responsabilidades e limites, precisando nesse sentido, serem obrigados a moldar essa nova lei por imposição de uma sanção penal e administrativa.
Podemos citar exemplos simples e rotineiros de violações de direitos pelos próprios servidores públicos em todo o Brasil, e que inclusive atos como esses, são considerados ainda, normais e aceitos até mesmo pela própria sociedade. São casos em que o ato do agente público, apesar de ferir a lei, atende a um anseio social. Em outras palavras, atende um sentimento de vingança social.
Pois bem: quem nunca se deparou com fotos ou vídeos de suspeitos presos decorrentes de ilícitos penais, que foram exibidos pelas autoridades como meros troféus por meios dos veículos de comunicação, redes sociais, e pelos aplicativos de celulares?
Existem centenas de milhares registros fotográficos circulando por todo Brasil nessa condição, podemos aqui, citar 01 (um) exemplo que ficou conhecido nacionalmente, onde dois delegados de polícia civil, após uma operação policial que resultou em 11 (onze) suspeitos mortos, divulgaram fotos e vídeos e inclusive (dos corpos e do local do fato).
Não obstante, os dois delegados de polícia civil ainda fizeram seus próprios registros fotográficos fazendo posse ao meio dos corpos mutuados que divulgaram com muita satisfação para todo o Brasil.
Além desse exibicionismo desnecessário, grande maioria dos mortos aparece nas imagens apenas de cueca, como uma intenção de promover uma ridicularização social e além disso, ao produzirem esse cenário fotográfico, dificultaram a parte processual da perícia do ITEP e o trabalho do próprio Ministério Público no momento que mexeram na cena do crime.
“Fotos que circulam pelo aplicativo de mensagem WhatsApp mostram os corpos amontoados dentro da casa e, posteriormente, na caçamba da caminhonete apreendidas no local. Grande parte do grupo aparece nas imagens apenas de cueca.”
Pois bem, com o entendimento do art. 13 da Lei 13.869 de 2019 a autoridade coautora que submeter o suspeito em situação vexatória, fazer registro fotográfico de seu rosto ou corpo, exibir no mundo virtual para o conhecimento público será responsabilizado a uma pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Vejamos:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Como já dissemos, esse tipo de violação é rotineiro em todo Brasil, considerado normal até mesmo para a nossa sociedade, mesmo sem entenderem que todos estão ensejando na violação do Princípio da Inviolabilidade a Privacidade cristalizada no art. 5º, inciso X, da nossa Constituição Federal de 1988
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Observem que, além da existência da Lei 4.898 de 1965, já estava previsto na nossa Carta Magna que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Todavia, precisou por meio da nova lei, taxar sob pena, o que as autoridades deveriam por força de lei está cumprindo, afinal, é isso o que determina a nossa clausula pétrea, até porque os danos previstos e sofridos, extrapolam dos danos materiais e morais e que infelizmente deixam rastros irreparáveis, são sequelas que não atingem tão somente os suspeitos e sim o objetivo é também atingir toda a sua família.
Nesse cenário, surge fortes criticas por parte das autoridades policiais e inclusive pela própria imprensa que entendem se sentirem prejudicas na proibição das tais fotos, fortalecendo assim, o “MEDO” de responderem criminalmente diante da Lei de Abuso de Autoridade.
Em relação a nossa imprensa, em momento algum vai ocorrer qualquer impedimento ao direito de informação ou sequer, vai diretamente, atingir a liberdade de imprensa, pois não se pode também, vender matérias jornalísticas por meio de violação das leis inclusive da Constituição Federal de 1988, pois sem dúvidas o objetivo da Lei de Abuso de Autoridade é impedir que os abusos e transgressões sejam praticadas por servidores públicos.
Diante desse medo real de punição prevista na nova Lei de Abuso de Autoridade “13.898 de 2019” às autoridades coautoras de todo o Brasil, estão recebendo orientações de seus respectivos estados, para que, tanto a Polícia Militar ou Civil não divulgarem mais nomes e nem fotos de suspeitos presos para evitarem o enquadramento da nova Lei.
Podemos citar a Polícia Militar e a Polícia Civil do Distrito Federal, que mudaram os procedimentos justamente para evitar o enquadramento na lei, ou seja: as corporações não divulgam mais nomes nem fotos de suspeitos presos durante operações e nem mesmo divulgar as fotos borradas.
Outro exemplo é o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, que também está se adequando a nova Lei, onde os gestores públicos, estão recomendando para os seus servidores, que não divulguem mais os nomes e fotos de suspeitos presos.
O objetivo dos governantes, é fazer com que, nenhum policial responda diante da nova lei. MEDO.
É de se estranhar que até mesmo os próprios magistrados assumem diretamente a possibilidade de violarem a Lei de Abuso de Autoridade e criticam veementemente a sua aplicabilidade.
As autoridades do nosso judiciário, o Ministério Público ou as autoridades coautoras, não devem criticar e sim, devem acatar, pois só está existindo críticas pelo MEDO DE SEREM PUNIDOS DIANTE DA LEI, o que não deveria existir, até porque são servidores públicos e fiscais da lei.
É um absurdo um magistrado afirmar que a norma incrimina atividade de julgar, independentemente do artigo apresentado na Lei de Abuso de Autoridade, até porque a nossa Constituição Federal de 1988 retrata com grande clamor, o Princípio da Isonomia que é de fato, um dos direitos fundamentais de cada brasileiro, que tanto lutou e luta pela igualdade dentro do Estado Democrático de Direito e assim Reza o artigo 5º, caput, da Constituição Federal vigente que:
"todos são iguais perante a Lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)". Depreende-se do mencionado dispositivo constitucional que é assegurada a igualdade a todos os cidadãos, sem distinção alguma.
No entanto, o que todos esquecem e vem desrespeitando é que antes mesmo da Lei 13.898 de 2019 ser taxativo com o tema, a própria Constituição Federativa do Brasil de 1988 já conceituava em seus artigo Art. 5º inciso X, além também que o direito de imagem já é vislumbrado nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e inclusive na Lei de Execução Penal em seu artigo 41 além do artigo 20 do Código Civil.
Vejamos:
“salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais” – e a Lei de Execução Penal, artigo 41, inciso VIII – “constituem direitos do preso: proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”.
Ou seja: o que está na lei já vem ou tem respaldado na Constituição, tratados e leis infraconstitucionais então pergunto: Por que os magistrados, autoridades coautoras e servidores públicos estão com MEDO?
Será que o objetivo são as autoridades transgredirem as leis? Ou o objetivo, responsabilidade, dever e obrigação é de cumprir e fazer valer o Estado Democrático de Direito?
Em um pequeno resumo da lei de abuso de autoridade
Veja os artigos da lei de abuso de autoridade
Crimes punidos com detenção de seis meses a 2 anos
- Não comunicar prisão em flagrante ou temporária ao juiz
- Não comunicar prisão à família do preso
- Não entregar ao preso, em 24 horas, a nota de culpa (documento contendo o motivo da prisão, quem a efetuou e testemunhas)
- Prolongar prisão sem motivo, não executando o alvará de soltura ou desrespeitando o prazo legal
- Não se identificar como policial durante uma captura
- Não se identificar como policial durante um interrogatório
- Interrogar à noite (exceções: flagrante ou consentimento)
- Impedir encontro do preso com seu advogado
- Impedir que preso, réu ou investigado tenha seu advogado presente durante uma audiência e se comunique com ele
- Instaurar investigação de ação penal ou administrativa sem indício (exceção: investigação preliminar sumária devidamente justificada)
- Prestar informação falsa sobre investigação para prejudicar o investigado
- Procrastinar investigação ou procedimento de investigação
- Negar ao investigado acesso a documentos relativos a etapas vencidas da investigação
- Exigir informação ou cumprimento de obrigação formal sem amparo legal
- Usar cargo para se eximir de obrigação ou obter vantagem
- Pedir vista de processo judicial para retardar o seu andamento
- Atribuir culpa publicamente antes de formalizar uma acusação
Vejamos os Crimes punidos com detenção de um a quatro anos
- Decretar prisão fora das hipóteses legais
- Não relaxar prisão ilegal
- Não substituir prisão preventiva por outra medida cautelar, quando couber
- Não conceder liberdade provisória, quando couber
- Não deferir habeas corpus cabível
- Decretar a condução coercitiva sem intimação prévia
- Constranger um preso a se exibir para a curiosidade pública
- Constranger um preso a se submeter a situação vexatória
- Constranger o preso a produzir provas contra si ou contra outros
- Constranger a depor a pessoa que tem dever funcional de sigilo
- Insistir em interrogatório de quem optou por se manter calado
- Insistir em interrogatório de quem exigiu a presença de um advogado, enquanto não houver advogado presente
- Impedir ou retardar um pleito do preso à autoridade judiciária
- Manter presos de diferentes sexos na mesma cela
- Manter criança/adolescente em cela com maiores de idade
- Entrar ou permanecer em imóvel sem autorização judicial (exceções: flagrante e socorro)
- Coagir alguém a franquear acesso a um imóvel
- Cumprir mandado de busca e apreensão entre 21h e 5h
- Forjar flagrante
- Alterar cena de ocorrência
- Eximir-se de responsabilidade por excesso cometido em investigação
- Constranger um hospital a admitir uma pessoa já morta para alterar a hora ou o local do crime
- Obter prova por meio ilícito
- Usar prova mesmo tendo conhecimento de sua ilicitude
- Divulgar material gravado que não tenha relação com a investigação que o produziu, expondo a intimidade e/ou ferindo a honra do investigado
- Iniciar investigação contra pessoa sabidamente inocente
- Bloquear bens além do necessário para pagar dívidas
Chrystiano Angelo – Escritor – Autor do Livro Audiência de Custódia e sua Aplicabilidade – Especialista Direito Penal e Processo Penal
Cezar Alves – Jornalista