Pesquisadores do tema “Cangaço” encontraram uma carta que foi escrita pelo prefeito coronel Rodolpho Fernandes em resposta ao bando de Lampião, antes do ataque a Mossoró pelo bando do cangaceiro, em 13 de junho de 1927.
A carta estava endereçada ao coronel Antônio Gurgel, que no momento das negociações, era refém do bando e foi escrita, provavelmente, no mesmo dia em que o ataque ocorreu.
O documento foi encontrado pelo professor, jornalista e escritor sergipano Robério Santos, que é um entusiasta do assunto e tem seis livros publicados sobre o cangaço.
O documento chegou a ele em maio, durante sua pesquisa para a publicação da primeira de uma série de cinco obras que pretende escrever também sobre o tema. A carta será entregue por ele à prefeitura de Mossoró, oficialmente, no próximo dia 13.
Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos 400000 (quatro centos contos) que pede, pois não tenho e mesmo no commercio é impossivel de arranjar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Snr. Jayme Guedes, Estamos dispostos a recebe-los na altura em que elles desejarem. Nossa situação oferecce absoluta confiança e inteira segurança.
— Rodolpho Fernandes, prefeito de Mossoró em 1927
O pesquisador conta que adquiriu alguns recortes de jornais e outros materiais de uma idosa que mora no Rio de Janeiro e que prefere manter sua identidade em sigilo, mas que é ligada à história do cangaço.
"Ela tinha essa carta há muito tempo, mas não conhecia a importância dela, até porque não estava endereçada diretamente a Lampião. Ela tem muito material. Era uma resposta do prefeito a ele, porque o coronel Gurgel era refém e escreveu a outra carta, pedindo o dinheiro, com uma mensagem ditada pelo Lampião", explicou o pesquisador.
Na mensagem, o prefeito recusa o pedido por 400 contos de réis, feitos por Lampião e diz que a cidade está preparada para responder "à altura" ao ataque dos cangaceiros.
Segundo os pesquisadores o gerente do Banco do Brasil, Jayme Guedes, era genro do coronel Gurgel e havia saído da cidade.
Apesar de morar em Natal, o comerciante teria sido feito refém durante uma viagem que fez à região justamente para buscar sua esposa e filhos, ao saber do iminente ataque do grupo.
Ao errar o caminho, o carro os levou de encontro ao acampamento dos cangaceiros. O motorista do comerciante teria servido de emissário entre as partes.
Assim como a carta enviada pelo coronel Gurgel ao prefeito, e outra escrita a próprio punho pelo Lampião, a carta encontrada já havia sido citada por jornais da época e em livros importantes sobre o assunto, mas o paradeiro dela era desconhecido, até porque o documento ficou com o próprio bando e não com o município.
"Eu fiquei assustado quando comecei a ler, me levantei imediatamente. Retirei do plástico para fazer uma análise, se era impressão ou se era escrito, e a assinatura. Realmente é uma carta escrita a punho, e na comparação com a assinatura e a escrita do prefeito, são iguais", considerou o pesquisador.
"Acho que um documento desse não deve estar em posse de um particular, por isso busquei entrar em contato para devolver a carta a Mossoró", conta.
Conforme Asclépius Saraiva Cordeiro, diretor do Museu Lauro da Escóssia, ao tomar conhecimento da carta por meio de pesquisadores do tema que tiveram contato com Robério, a prefeitura resolveu pagar uma passagem para a vinda do pesquisador ao município, quando será realizada a entrega da carta.
"A carta deverá ficar exposta no salão dos grandes atos, no Palácio da Resistência, que era a casa do prefeito e hoje é a sede da prefeitura municipal. Infelizmente não teremos o espetáculo Chuva de Balas neste ano, mas temos um motivo de soltar fogos", considerou.
De acordo com o pesquisador e escritor Geraldo Maia, que é sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) e da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço - SBEC, a carta encontrada seria uma das quatro trocadas entre o grupo que estava com Lampião e o prefeito, ditada pelo cangaceiro e escrita pelo refém coronel Gurgel.
Outra missiva foi escrita e assinada pelo próprio Lampião, também respondida pelo prefeito. Ninguém sabe o paradeiro da carta original de Lampião - apesar de haver cópias da original - nem o paradeiro da última resposta.