28 NOV 2024 | ATUALIZADO 09:54
MOSSORÓ
Cezar Alves
20/05/2016 09:19
Atualizado
13/12/2018 12:52

MPRN informa que existem provas irretocáveis dos desvios do Hospital da Mulher

Sobre a nota de esclarecimento da ex-governadora, o MPRN destacou que não há qualquer erro; foi dada publicidade sobre uma decisão à parte do processo principal, em que não existe segredo de Justiça
Valéria Lima

O Ministério Público Estadual informou que não houve qualquer ato ilegal em tornar público uma decisão pública que bloqueia os bens da ex-governadora Rosalba Ciarlini Rosado e de outros 16 acusados de desviar mais de R$ 11 milhões na instalação do Hospital da Mulher, em Mossoró, no início de 2011, quando assumiu o governo do Estado.

Em nota de esclarecimento divulgada no início da noite desta quinta-feira, 19, a ex-governadora Rosalba Ciarlini Rosado levantou suspeitas sobre o ato do Ministério Público Estadual, através da Promotoria de Mossoró, por ter tornado pública uma decisão num processo que corre em segredo de Justiça na 2ª Vara Criminal de Mossoró.

Eis o trecho:

“É de muito se estranhar a divulgação dessa informação muito após o suposto bloqueio de bens e próximo ao período eleitoral, uma vez que o Poder Judiciário decretou *segredo de justiça nos autos em questão para não pré-julgar ou expor alguém à grave injustiça,* sem o devido exercício da livre defesa e do contraditório, garantias constitucionais absolutas.”

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Ao MOSSORÓ HOJE, o Ministério Público Estadual disse que a juíza Ana Cláudia Secundo da Luz, da 2ª Vara Criminal, ao decretar o bloqueio de R$ 12 milhões de Rosalba e dos outros 16 acusados de desviar mais de R$ 11 milhões do Hospital da Mulher, retirou o segredo de justiça desta decisão específica dentro do processo principal.

Ainda segundo os Ministério Público Estadual, o processo original, que tem número 0102897-28.2015.8.20.0106, continua em segredo de Justiça por conter quebras de sigilo e monitoramento dos bens declarados à Receita Federal por Rosalba Ciarlini e também pelos outros 16 acusados de desviar mais de dez milhões do Hospital da Mulher.

Neste mesmo processo é que os oficiais de justiça informam, por escrito, que já fizeram de tudo que foi possível para localizar a ex-governadora e citá-la, mas não foi possível. O MOSSORÓ HOJE destacou esta parte do processo que não corre em segredo de Justiça.

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Sobre a gravidade do caso, o Ministério Público Estadual destacou que existem provas materiais (documentais e testemunhais) no processo principal que comprovam sem sombras de dúvidas que houve direcionamento do Governo Rosalba Ciarlini para contratar MARCA, de forma ilegal e superfaturada, para abrir o Hospital da Mulher, em Mossoró.

Destaca, entre outras provas, que o Governo Rosalba Ciarlini fez um pagamento de pelo menos R$ 800 mil a MARCA antes mesmo do contrato ser efetivado. “Você pode observar com mais precisão outras provas cabais na decisão do juiz Renato Vasconcelos Magalhães, da 2ª Vara Criminal, com base na denúncia do Ministério Público Estadual, no dia 9 de junho de 2015”, informa o Ministério Público Estadual.

Segue a decisão do recebimento da denúncia na íntegra:

Número: 0102897-28.2015.8.20.0106 

Natureza: Procedimento Investigatório do Mp (Peças de Informação) 

Denunciada: Rosalba Ciarlini Rosado

Denunciado: Domicio Arruda Câmara Sobrinho

Denunciada: Maria das Dores Burlamarqui de Lima

Denunciada: Vânia Maria Vieira

Denunciado: Carlos Alberto Paes Sardinha

Denunciado: Alexandre Magno Alves de Souza

Denunciada: Valcineide Alves da Cunha de Souza

Denunciado: Tufi Soares Meres

Denunciada: Rosimar Gomes Bravo e Oliveira

Denunciado: Antonio Carlos de Oliveira Júnior

Denunciada: Elisa Andrade de Araújo

Denunciado: Otto de Araujo Schmidt

Denunciado: Sady Paulo Soares Kapps

Denunciado: Hélio Bustamante da Cruz Secco

Denunciado: Sidney Augusto Pitanga de Freitas Lopes

Denunciado: Francisco Malcides Pereira de Lucena

Denunciado: Leonardo Justin Carap.

 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

 

DENUNCIA. crimes de dispensa INDEVIDA de licitação, falsidade ideológica, ordenação de despesa não autorizada, peculato, corrupção passiva e FORMAÇÃO DE QUADRILHA (TIPO ANTERIOR À LEI 12.850/2013). CÓDIGO PENAL E LEI 8.666/93. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS MATERIAIS E FORMAIS NECESSÁRIOS À PEÇA ACUSATÓRIA. ANÁLISE PROCESSUAL À LUZ DOS ARTIGOS 41, 395 E 396, TODOS DO CPP. RECEBIMENTO DA DENUNCIA. APLICAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO. INDÍCIOS DA AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA. SUSPENSÃO DO DIREITO DE CONTRAÇÃO COM O PODER PÚBLICO (FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL).

I - Devidamente analisada a peça acusatória à luz dos arts. 41, 395 e 396, todos do CPP, não sendo o caso de inépcia, carência de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou, ainda, ausência de justa causa, é o caso, valendo-se do critério de proporcionalidade, do recebimento da denúncia;

II – Com base no pedido do Ministério Público, havendo indícios da autoria e prova da materialidade de diversos crimes, como necessidade de garantia da ordem pública e, principalmente, econômica, foi deferida medida cautelar diversa da prisão consistente na suspensão do direito, de parte dos denunciados, de contratação com os poderes públicos em suas três esferas.

 

 

            Vistos, etc.

 

            Cuida-se de DENÚNCIA ofertada pelo Ministério Público Estadual com atribuições junto à 11ª Promotoria de Justiça desta comarca em desfavor e pelos seguintes crimes:

 

Rosalba Ciarlini Rosado, brasileira, casada, médica e ex-governadora do Estado do Rio Grande do Norte, inscrita no CPF sob nº 199.516.984-68, com endereço na Rua Mario Negócio, nº 175, Centro, Mossoró/RN, CEP: 59610-080;

Crimes: art. 89, caput, da lei nº 8666/93; art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 359-D e art. 312, caput, c/c art. 29, todos do Código Penal; em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Domicio Arruda Câmara Sobrinho, brasileiro, casado, médico e ex-secretário estadual de saúde pública do Rio Grande do Norte, inscrito no CPF sob nº 056.192.974-20, com endereço na Rua Dr. Carlos Passos, nº 1783, Morro Branco, Natal/RN;

Crimes: art. 89, caput, da lei nº 8666/93; art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 359-D e art. 312, caput, c/c art. 29, todos do Código Penal; em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Maria das Dores Burlamarqui de Lima, brasileira, casada, servidora pública estadual aposentada, inscrita no CPF sob nº 307.950.104-78, com endereço na Rua Duodécimo Rosado, nº 1306, Apto 602, Condomínio Spazio de Firenze, Nova Betânia, Mossoró/RN;

Crimes: art. 89, caput, da lei nº 8666/93; art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 359-D e art. 312, caput, c/c art. 29, todos do Código Penal; em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Alexandre Magno Alves de Souza, brasileiro, casado, procurador do Município de Natal/RN, inscrito no CPF sob nº 790.799.464-00, com endereço na Rua Maxaranguape, nº 550, Apto 1501, Tirol, Natal/RN;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 312, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal; aplicando-se a agravante genérica prevista no art. 62, I, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Valcineide Alves da Cunha de Souza, brasileira, casada, servidora pública estadual, inscrita no CPF sob nº 877.085.584-68, com endereço na Rua Tibério Burlamaqui, nº 59, paredões, Mossoró/RN;

Crimes: Art. 288, caput, do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, na forma do art. 327, § 2º, c/c art. 29, todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Tufi Soares Meres, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 116.860.657-87, com endereço na Rua Jornalista Ricardo Marinho, nº 300, Apto 1906, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 89, paragrafo único, da Lei 8.666/93; art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, aplicando-se a agravante genérica prevista no art. 62, I do Código Penal e as regras do concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Vânia Maria Vieira, brasileira, casada, empresária, inscrita no CPF sob nº 356.666.257-72, com endereço na Rua João Xavier, nº 250, Bloco I, Apto 301, Duarte da Silveira, Petrópolis/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29, todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Rosimar Gomes Bravo e Oliveira, brasileira, casada, empresária, inscrita no CPF sob nº 002.179.437-56, com endereço na Rua Praia de Botafogo, nº 528, apto 1205, bloco A, Botafogo, Rio de Janeiro/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 89, paragrafo único, da Lei 8.666/93; art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Antônio Carlos de Oliveira Júnior, “Maninho”, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 776.389.727-91, com endereço na Rua Praia de Botafogo, nº 528, apto 1205, bloco A, Botafogo, Rio de Janeiro/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 89, paragrafo único, da Lei 8.666/93; art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Elisa Andrade de Araújo, brasileira, solteira, inscrita no CPF sob nº 099.689.767-41, com endereço na Rua Senhor dos Passos, nº 135, Centro, São José do Vale do Rio Preto/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 89, paragrafo único, da Lei 8.666/93; art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Otto de Araujo Schmidt, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob n º 183.206.277-53, com endereço na Rua Roberto Dias Lopes, nº 83, Apto 703, Leme, Rio de Janeiro/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Sady Paulo Soares Kapps, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 134.740.737-53, com endereço na Av. Barão do Rio Branco, nº 3050, bloco III, Retiro, Petrópolis/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Hélio Bustamante da Cruz Secco, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 738.110.257-91, com endereço na Rua Dr. Nelson de Sá EARP, nº 88, Apto 208, Centro, Petrópolis/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Carlos Alberto Paes Sardinha, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 230.008.137-72, com endereço na Rua São Salvador, nº 38, Flamengo, Rio de Janeiro/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Sidney Augusto Pitanga de Freitas Lopes, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 105.494.127-00, com endereço na Rua Professor Margarida Valadão, nº 221, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro/RJ;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Francisco Malcides Pereira de Lucena, brasileiro, casado, médico, inscrito no CPF sob nº 112.494.633-00, com endereço na Rua Barão de Aracati, 1565, Apto 702, Aldeota, Fortaleza/CE, CEP: 60115-080;

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal;

 

Leonardo Justin Carap, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob nº 500.674.947-49, com endereço na Rua Visconde de Morais, nº 252, Apto 1402, Ingá, Niterói/RJ.

Crimes: Art. 288, caput ,do Código Penal (antes da lei 12.850/2013); art. 299, caput, do Código Penal, art. 312, caput, c/c art. 29, na forma do art. 327, caput e § 1º, c/c art. 29 todos do Código Penal, em concurso material, nos moldes do art. 69, também do Código Penal.

 

            Acompanha a exordial, procedimento de investigação criminal Nº 002/2014 e 38 (trinta e oito) volumes anexos.

É o que importa relatar, decido.

 

DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

 

            Passo, de imediato, a análise do juízo de admissibilidade da denúncia, aquele previsto no art. 396, do CPP, uma vez a desnecessidade de notificação prévia, já que embora entre os crimes apontados a parte dos denunciados, figure um de natureza funcional, praticado por funcionário público (art. 312 do CP), os seus supostos autores já não mais ostentam essa função.

 

PROCESSUAL PENAL. EX-PREFEITO. NOTIFICAÇÃO PARA RESPOSTA ESCRITA. REGIME LEGAL. 1. A notificação prévia para resposta escrita, prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, não se aplica ao ex-servidor público, aí incluído também o ex-prefeito municipal (art. 2º, I - Decreto-lei 201/67), pois a sua ratio consiste em evitar que o servidor ou o prefeito, no exercício do cargo, sejam temerariamente processados, em detrimento do desempenho da sua atividade. 2. Provimento do recurso em sentido estrito. (TRF-1 - RSE: 200843000070506 TO 2008.43.00.007050-6, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 07/01/2014, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.75 de 16/01/2014)

 

            O recebimento da denúncia, como categoria decisional de natureza interlocutória simples, constitui um dos atos mais importantes do processo, não só por ser conditio sine qua para a formação do processo que se aperfeiçoará com a citação (válida) do(a) acusado(a), senão pelo fato que é partir deste marco processual que o(a) desviante passa a ter o constrangimento de sobre si pesar uma acusação pela prática de um ilícito penal. A partir deste momento, passa-se, formalmente, do status de indiciado(a) a acusado(a), com todas as conseqüências sociais que provoca o estigma de um processo penal. Precisamente por estes fatos, entendo necessária uma análise mais criteriosa dos elementos necessários para um adequado recebimento da peça acusatorial, seja denúncia ou queixa-crime. 

 

            O citado art. 396 do CPP impõe o recebimento da denúncia (ou queixa), quando não for o caso de sua rejeição. Por seu turno, o art. 395 trata das hipóteses de rejeição da denúncia: (i) for manifestamente inepta; (ii) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; (iii) faltar justa causa para o exercício da ação penal. Vejamos uma a uma dentro da realidade do caso concreto que nos apresenta.

 

 

I – DA INÉPCIA DA DENÚNCIA OU QUEIXA.

 

            Este inciso deve ser lido em conjunto com o art. 41 do CPP, que delineia os elementos formais necessários para uma denúncia ou queixa. Reza o artigo: “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

 

            A denúncia oferecida pelo Ministério Público contra os 17 (dezessete) acusados, é fruto de um cuidadoso procedimento investigatório que deu ensejo, inclusive, a outros processos criminais, nos revela um provável esquema montado para burlar procedimentos licitatórios, fraudar prestações de contas e favorecer determinadas empresas através da introdução do terceiro setor na gestão da saúde pública do Estado do Rio Grande do Norte, nos moldes do que foi realizado do município de Natal, com grave ônus ao Erário Público.

 

            Sob a eterna escusa da necessidade da intervenção externa como socorro a um Estado cambaleante (em regra, fruto de desmandos, desvios, incompetência e inoperância dolosa de seus próprios dirigentes) a Secretaria Estadual de Saúde realizou com a ASSOCIAÇÃO MARCA PARA PROMOÇÃO DE SERVIÇOS, OSCIP do terceiro setor, o termo de Parceria nº 001/2012 para a prestação de serviços de gerenciamento do Hospital da Mulher Parteira Maria Correia em Mossoró.

 

            As investigações desenvolvidas pelo Ministério Público trouxeram fortes indícios de que todo o processo que envolveu o referido Termo de Parceria foi eivado de ilegalidade, com manipulações que favoreceram a Associação Marca e empresas subcontratadas, que contou com a participação de diversos servidores públicos e, inclusive, a ex-governadora do Estado do RN.

 

            No vertente caso, encontram-se preenchidos todos os requisitos formais necessários ao delineamento da denúncia. Os fatos criminosos, ou seja, a formação de quadrilha (tipo anterior à Lei 12.850/2013) pelos denunciados para a prática reiterada de diversos crimes contra a Administração Pública; o crime de dispensa de licitação praticado quando da contratação emergencial por dispensa indevida de licitação da Associação Marca para a administração do Hospital da Mulher em Mossoró; o crime de falsidade ideológica praticado quando da inserção de declaração falsa em diversos documentos das prestações de contas do TP nº 001/2012; a ordenação de despesa não autorizada, ou seja, antes mesmo do Termo de Parceria nº 001/2012; o crime de peculato, com os desvios de dinheiros públicos em proveito próprio, de servidores públicos e equiparados; o crime de corrupção passiva privilegiada, na infração de dever funcional ao atestar serviços não executados e ocultar ilegalidades da fiscalização de seus superiores, encontram-se perfeitamente narrados na denúncia com todas as circunstancias que gravitam em torno das ações delituosas, apontando cada um dos inculpados e suas ações, corroboradas por mais de 2000 páginas de documentos, entre depoimentos gravados, e-mails, declarações, contratos, anotações pessoais, etc. Por outro lado, os acusados estão devidamente qualificados e os crimes, salvo melhor juízo - a ser realizado em face de provas produzidas durante a fase contraditória -, encontram-se, por ocasião deste juízo de admissibilidade, corretamente classificados. Por fim, foram as testemunhas arroladas.

 

II – DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO.

 

II.1 –PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

            A idéia de pressupostos processuais (que difere das condições da ação) está intimamente ligada ao conceito de processo enquanto relação jurídica e, neste passo, se constituiriam nos requisitos formais e materiais necessários ao estabelecimento de uma relação processual válida. A teoria dos pressupostos processuais como requisitos para a formação da relação processual nasceu a partir da obra de Bülow “La teoria de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales”, de 1868, a qual marcou definitivamente a separação entre direito material e direito processual.

 

            Em que pese a contribuição para a autonomia do processo da teoria de Bulow, no caso específico do processo penal, os pressupostos processuais não se apresentam de grande utilidade, principalmente quando se vislumbra o processo penal de outra perspectiva, como é o nosso caso, não como relação jurídica, mas como situação jurídica (Goldschmidt). Aury Lopes, citando Goldschmidt, lembra que o autor apontava que os pressupostos processuais não representavam, de fato, pressupostos do processo, senão pressupostos da decisão sobre o mérito e, portanto, deixavam de condicionar o nascimento da relação jurídica[1]

 

            Para os que admitem a teoria dos pressupostos processuais, estes se dividiriam em pressupostos de existência e desenvolvimento. Os primeiros necessários para que a relação processual se constitua validamente, e os segundos para que o processo, depois de se haver estabelecido regularmente, tenha um curso regular até a sentença de mérito ou uma providência jurisdicional definitiva2.[2]

 

            Os pressupostos de existência, que alguns ainda dividem em objetivos e subjetivos, seriam, dentro do contexto do processo penal, as partes e o juiz. Já entre os pressupostos de desenvolvimento teríamos: um juiz competente imparcial; a capacidade para a prática dos atos processuais; e a legitimidade postulatória (pelo menos até o momento do oferecimento da denúncia).

 

            Em face do que foi exposto, Afrânio Jardim, citado por Aury Lopes, vai afirmar a confusão que acaba se estabelecendo entre os pressupostos de validade (desnecessários para a teoria do processo penal) com a teoria das nulidades dos atos processuais: “a rigor, inexistem os chamados pressupostos de validade do processo. O exame da questão há de ser deslocado para a eficácia dos diversos atos processuais, eficácia esta que depende mais da invalidação do que do próprio vício ou defeito destes atos”3.[3]

 

            De toda sorte, no caso concreto que ora se examina, encontram-se presentes, para aqueles que entendem pela necessidade de verificação dos pressupostos de validade do processo, todos os elementos necessários, uma vez que a denuncia foi oferecida por Promotor de Justiça legalmente investido no cargo e com atribuições neste juízo, em face de pessoa devidamente qualificada, e diante de juiz investido no cargo, imparcial (ausente causa de suspeição ou impedimento), titular deste juizado com competência, segundo Lei de Organização Judiciária do Estado, para apreciação dos crimes capitulados na denúncia.

 

Ressalte-se o fato que os presentes autos foram encaminhados a este juízo em razão da suspeição arguida pelo juiz titular da 3ª Vara Criminal de Mossoró, para onde foram inicialmente distribuídos, e da ordem de substituição legal presente na Lei de Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte.

 

II.2 – CONDIÇÕES DA AÇÃO

 

            As condições da ação no processo penal brasileiro sempre tiveram, equivocadamente, relacionadas àquelas do processo civil: interesse de agir, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido; quando, deveriam, repito, ser postas à luz das categorias próprias do processo penal, como condicionantes ao conhecimento e julgamento da pretensão acusatória veiculada por meio da denúncia. Neste sentido, não fazem parte do mérito da causa, conforme corrente doutrinária majoritária4.[4]

 

Como condições da ação penal, seguimos a orientação doutrinária de Aury Lopes Jr. que alinha: (i) pratica de fato aparentemente criminoso – fumus comissi delicti; (ii) punibilidade concreta; (iii) legitimidade da parte; (iv) justa causa.4

 

II.2.1 - fumus comissi delicti

 

            O revogado art. 43 do CPP, em seu inciso I, trazia como causa de rejeição da denuncia a narrativa de fato que, evidentemente, não constituísse crime. Para a maioria da doutrina brasileira, a qual não nos filiamos, crime seria o fato típico, antijurídico e culpável. Neste diapasão, para o recebimento da denúncia faz-se necessário, nesse primeiro momento, ainda que de forma superficial, o exame dos elementos constitutivos do crime, ou seja, saber se os fatos supostamente praticados pelos denunciados poderiam, em tese, constituírem-se crimes. Em outras palavras, é preciso que se avalie, neste primeiro momento, de forma apenas epitelial, se os fatos descritos na denúncia são crimes, ou se os denunciados agiram, manifestamente, ao abrigo de alguma excludente do tipo (hipóteses de erro e descriminantes putativas), da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal), e da culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).

 

            Convencendo-se o juiz da presença de alguma excludente deverá rejeitar a acusação. Por óbvio, que neste juízo de admissibilidade a prova da inexistência do crime deve ser manifesta, o que na sua grande maioria, não é de fácil avaliação, uma vez que sequer se deu o contraditório. De toda forma, não estando presente, sequer, a fumaça necessária para a categorização dos eventos narrados na denúncia ou queixa como criminoso, é o caso de rejeição.

 

            Analisando o caso dos autos, não vislumbro, neste primeiro momento, na perfunctória análise que me cabe realizar, que tenham os denunciados agidos sobre o abrigo de qualquer excludente do tipo, da ilicitude ou da culpabilidade, cabendo à sua defesa prova em contrário durante a instrução criminal. As condutas realizadas pelos denunciados, descritas individualmente, narradas pelo Ministério Público são, nesta primeira impressão, típicas e antijurídicas. Típicas porque, em tese, amoldam-se aos tipos penais referenciados e antijurídicas porque entram em contradição com o ordenamento jurídico (formal e materialmente), sem a presença de qualquer causa de exclusão de antijuridicidade (justificativas).

 

            A denúncia descreve, em detalhes, ancorada em vasto conjunto probatório, a prática de diversos crimes pelos acusados que, aproveitando-se de uma situação emergencial da saúde pública do Estado, em parte causada pela própria ingerência do executivo estadual, realizaram, de forma fraudulenta, a parceria de uma OSCIP com o Estado para a administração de um hospital público, que redundou, segundo auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado e por membros de uma Comissão de Auditoria Interna da SESAP, em graves ônus para o Erário Público.

 

            Restou demonstrado, neste primeiro momento, suficiente para um juízo preliminar de admissibilidade, o interesse direcionado da ex-governadora, Rosalba Ciarlini, juntamente com o ex-Secretário de Saúde, Domício Arruda e a ex-Secretária Adjunta de Saúde, Maria das Dores Bulamarqui, na contratação específica da Associação Marca para a gerência do Hospital da Mulher, realizando, inclusive, antes mesmo da tratativa final do Termo de Parceria 001/2012, (o qual também não seguiu os ditames previstos em lei) ordenações prévias de despesas não autorizadas em Lei, no montante de R$ 804.071,05 (oitocentos e quatro mil, setenta e um reais e cinco centavos), conforme o apurado pelo Corpo Técnico do TCE/RN.

 

            Há, nesse primeiro momento, elementos que indicam que a terceirização da saúde pública, mais especificamente, a administração do Hospital da Mulher, em Mossoró, através do Termo de parceria com a Associação Marca teria sido concebido e planejado bem antes da assinatura do próprio termo, tendo servido o alegado estado de emergência como justificativa a para a contratação emergencial dessa empresa.

 

             A denúncia é recheada de provas da participação de cada um dos agentes públicos e políticos, assim como dos proprietários, acionistas e diretores das empresas encarregadas de concretizarem a fraudulenta parceria que, segundo auditoria do Tribunal de Contas do Estado e da SESAP, causaram um dano ao Patrimônio Público de R$ 11.960.509,00 (onze milhões, novecentos e sessenta mil, quinhentos e nove reais), decorrentes de serviços superfaturados ou não prestados, de equipamentos cobrados mas não instalados, notas fiscais frias, além de outras formas de desvios.

 

            A Associação Marca, contratada pela Secretaria de Saúde do Estado, e todas as subcontratadas por ela para o cumprimento da parceria com o Estado, Adventus Group e Consultores Ltda, The Wall Construções e Serviços Ltda, Núcleo de Saúde e Ação Social – Salute Social, Health Solutions Ltda, Espíndola & Rodrigues Assessoria Contábil Ltda, Núcleo Serviços Diagnósticos Ltda, Azevedo & Lopes Auditores Independentes Ltda, Olivas Planejamento Assessoria e Serviços S/C Ltda, fazem parte de um grande esquema de desvio e fraudes ao Estado, na Saúde Pública, através do terceiro setor, liderados por Tufi Soares Meres (Chefe do Grupo Salute Vita, do qual faz parte a Associação Marca), que foi desvendado na operação Assepsia promovida pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte.

 

            Na análise das prestações de contas do Termo de Parceira 001/2012, o Corpo Técnico do TCE/RN considerou irregulares os pagamentos efetivados por serviços cuja prestação não restou comprovada, no montante de R$ 6.149.528,74 (seis milhões, cento e quarenta e nove mil, quinhentos e vinte e oito e setenta e quatro centavos) com valores específicos para cada empresa, conforme se verifica às fls. 126 da denúncia.

 

            Envolvidas nessas fraudes encontram-se Elisa Andrade de Araújo, diretora da Olivas Planejamento e Assessoria Ltda e da Associação Marcas, celebrando contratos, antes mesmo da assinatura do Termo de Parceria, com a Unicádio – Urgências Cardiológicas Ltda e com a empresa Núcleo de Saúde e Ação Social - Salute Social, com o também denunciado Sady Paulo Soares Kapps; Rosimar Gomes Bravo, diretora da Associação Marca e representante da Olivas Planejamento, Assessoria e Serviços S/C Ltda; Antônio Carlos de Oliveira, diretor da Associação Marca (muito embora tenham colocado seus empregados como dirigentes e continuado a ser o verdadeiro proprietário – manobra com a criação da Olivas Planejamento, Assessoria e Serviços S/C Ltda, subcontratada da Marca, para distribuição de lucros); Vania Maria Vieira (esposa de Tufi Soares Meres) proprietária, juntamente com seu marido, da Itaypartners Intermediação e Corretagem de Negócios Ltda, que possui uma sociedade em conta de participação com a Health Solutions Ltda, pertencente ao denunciado Sidney Augusto Pitanga de Freitas Lopes, subcontratada da Associação Marca, também de Tufi Soares, uma forma de burlar a distribuição dos lucros, não permitida no caso de uma Oscip; Francisco Malcides Pereira de Lucena, representante da empresa Adventus Group e Consultores Ltda, subcontratada da Marca, tendo como objeto a terceirização de médicos, sem a comprovação, segundo o Corpo Técnico do TCE/RN, da contraprestação dos serviços contratados, apesar de notas fiscais apresentadas pela contratante Marca no valor de R$ 2.768.225,89 (dois milhões, setecentos e sessenta e oito mil, duzentos e vinte reais e oitenta e nove centavos);

 

            Por sua vez, há na denúncia indícios suficientes de que o, à época, Procurador do Município, Alexandre Magno Alves de Souza, valeu-se de seu cargo para que fosse a todo custo implementada a parceria ilegal entre a Associação Marca e a Secretaria de Saúde do Estado do RN. Diversos e-mails acostados aos autos comprovam a estreita ligação do denunciado com os representantes da empresa Marca e a sua interlocução na realização dessa fraudulenta parceria.

 

            A atuação de Valcineide Alves na gestão do Termo de Parceira também foi fundamental para a concretização dos crimes, tentando obstar, a qualquer custo, os trabalhos de fiscalização dos órgãos de controle, como se vê de depoimentos colhidos pelo Ministério Público.

 

            A denúncia trouxe, ainda, que a auditoria feita pelo Corpo Técnico do TCE/RN constatou que a empresa Núcleo de Saúde e Ação Social – Salute Social, subcontratada da Associação Marca, através de um “convênio” cujo objeto era a “cooperação técnica para seleção”, treinamento, provimento e gestão de recursos profissionais para a prestação de serviços de gerência do Hospital da Mulher, praticou uma série de ilegalidades nos repasses financeiros a esta empresa que eram “comprovadas” nas prestações de contas por simples recibos denominados de “nota de débito”. Verificou-se que o Núcleo de Saúde e Ação Social – Salute Social, que tem como sócios formais os denunciados Sady Paulo Soares Kapps, Hélio Bustamente da Cruz Secco e Carlos Alberto Paes Sardinha, é gerenciada pelo líder dessa organização criminosa do terceiro setor, Tufi Soares Meres, que faz parte do Conselho Fiscal juntamente com sua esposa Vânia Maria Vieira. Tufi conta ainda, conforme se constata através de e-mails presentes na denúncia, com o apoio de Oto Araújo Schmidt na gestão da Salute Sociale/Salute Vita.

 

            Por fim, Leonardo Justin Carap aparece como colaborador de Tufi Soares Meres e foi o responsável pela elaboração do projeto hospitalar do Hospital da Mulher, antes mesmo da assinatura do Termo de Parceria, conforme se depreende das conversações via e-mail entre ele e Tufi Soares, constantes da denúncia.

 

II.2.2 – PUNIBILIDADE CONCRETA.

 

            Outro elemento presente como condição da ação é a possibilidade de punibilidade que vem também normatizado nos casos de absolvição sumária (art. 397, IV), mas que, como condição da ação, não tem razão para que não possa ser analisado por ocasião do juízo de admissibilidade.

 

            No presente, não há qualquer prova de prescrição ou decadência.

 

II.2.2 – LEGITIMIDADE DA PARTE

 

            Tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada a denúncia foi oferecida pelo Ministério Público a quem cabe a titularidade da ação.

 

            Por outro lado, as autorias dos injustos estão, na denúncia, devidamente perfilhadas, com as condutas dos agentes, dentro do juízo de probabilidade e verossimilhança que se é obrigado a realizar. Não se trata, por óbvio, de um juízo de certeza que deverá ocorrer somente após a instrução probatória.

 

III – DA JUSTA CAUSA

 

            A justa causa se apresenta tanto como uma das condições da ação, incluída no inciso II, do art. 396, quanto como causa autônoma para a absolvição sumária, prevista no inciso III do mesmo dispositivo legal. Trata-se de termo de grande indefinição jurídica, seja na doutrina ou jurisprudência, chegando alguns autores, inclusive, a negar a possibilidade de uma definição absoluta para a justa causa.

 

 Aparece a justa causa como a exigência mínima de garantia do controle da intervenção penal evidenciada pelo fumus boni iuris necessário à propositura da denúncia ou queixa e que está, segundo Aury Lopes Jr., relacionada a dois fatores: “existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e, de outro, com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal”5.[5]

 

Quanto à sua natureza, alguns a relacionam com o interesse de agir, como faz Frederico Marques e Tourinho filho. Já Afrânio Jardim e Julio Fabbrini Mirabete, entendem a justa causa como uma quarta condição genérica ao regular exercício do direito de ação. Ada Pellegrini Grinover, por seu turno, acredita que justa causa diz respeito às condições de procedência e não de admissibilidade do pedido. Nossa posição é que a justa causa constitua uma das condições da ação e se alinhe como requisito de admissibilidade do pedido.

 

            Deve se analisar para a justa causa elementos concretos de autoria e materialidade perfilhados nos autos da investigação preliminar e que serviram de base para a denúncia. No caso em apreço, os autos da investigação ministerial, inclusive com provas emprestadas de outro processo judicial, trazem elementos suficientes das práticas delitivas, de suas autorias e materialidades. Há indícios, do nosso ponto de vista, suficientes para a instauração de uma ação penal, mesmo ciente dos custos pessoais que um processo acarreta aos ofensores.

 

            Tomando por base o princípio constitucional de proporcionalidade e pondo de um lado o sacrifício pessoal que implica a instauração de um processo e toda a sua carga estigmatizante e do outro os elementos investigatórios até o presente colhidos, que direcionam na prática de infrações perpetradas pelos denunciados, entendo pela existência de “lastro probatório mínimo6.[6]

 

            Há ainda, o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal a se analisar para possibilitar o recebimento da denúncia. Pode ser o caso de uma conduta lesiva a bem jurídico tutelado, mas que não mereça, em razão dos próprios fins do Direito Penal, a intervenção estatal. Em outras palavras, nem todas as condutas lesivas a bens jurídicos devem ser sancionadas, senão aquelas práticas contra bens jurídicos relevantes, entendidos estes como bens imprescindíveis para satisfazer as necessidades dos indivíduos na sociedade.

 

            O que se pretende com este controle é evitar uma hiperinflação da intervenção penal e, por consequência, a banalização do Direito Penal. Não deve ser qualquer violação de norma penal a merecer uma resposta estatal, senão aquela conduta que atente de forma grave contra um bem jurídico relevante e, que, por consequência, apresente um determinado grau de ofensividade que justifique, dentro do princípio de proporcionalidade, a movimentação da máquina estatal através da intervenção penal, com seus altos custos sociais.

 

            No caso dos autos, a intervenção penal, superadas as exigências anteriores, se justificativa, em princípio, como relevante, uma vez que temos um ataque grave ao erário público numa ofensa severa aos princípios da que salvaguardam a Administração Pública.

 

            Em face do que foi analisado, estando presente os pressupostos processuais e condições  para o exercício da ação penal, e em conformidade com o disposto nos arts. 41, 395 e 396 do CPP, RECEBO A DENUNCIA CRIME oferecida contra Rosalba Ciarlini Rosado, Domicio Arruda Câmara Sobrinho, Maria das Dores Burlamarqui de Lima, Vânia Maria Vieira, Carlos Alberto Paes Sardinha, Alexandre Magno Alves de Souza, Valcineide Alves da Cunha de Souza, Tufi Soares Meres, Rosimar Gomes Bravo e Oliveira, Antonio Carlos de Oliveira Júnior, Elisa Andrade de Araújo, Otto de Araujo Schmidt, Sady Paulo Soares Kapps, Hélio Bustamante da Cruz Secco, Sidney Augusto Pitanga de Freitas Lopes, Francisco Malcides Pereira de Lucena e Leonardo Justin Carap.

 

            Com relação a suspeição declarada pelo juiz titular da 3ª Vara Criminal desta comarca, pactuando do entendimento exarado pela Egrégia Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte na consulta de nº 409/2015-CGJ/RN, o qual afirma que a suspeição do magistrado, declarada nos autos não afasta a jurisdição do Juízo, bem como, levando-se em conta decisão semelhante exarada em outros processos encaminhados a este magistrado, determino a devolução dos presentes autos à 3ª Vara Criminal de Mossoró para o seu regular processamento, retificando-se a distribuição.

 

 

IV - DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO

 

            Juntamente com o oferecimento da denúncia, o Ministério Público postulou a aplicação da medida cautelar de suspensão do exercício da atividade econômica, especificamente, a suspensão de contratação com o Poder Público, em suas três esferas, bem como o direito de proceder a abertura de qualquer outra empresa ou de outorgar a terceiros tais poderes, até ulterior decisão deste juízo com relação a Alexandre Magno Alves de Souza, Rosimar Gomes Bravo e Oliveira, Antônio Carlos de Oliveira Júnior, Vânia Maria Vieira, Elisa Andrade de Araújo, Otto de Araújo Schmidt, Tufi Soares Meres, Sady Paulo Soares Kapps, Hélio Bustamante da Cruz Secco, Sidney Augusto Pitanga de Freitas Lopes, Francisco Malcides Pereira de Lucena,  Carlos Alberto Paes Sardinha e Leonardo Justin Carap.

 

            Com efeito, a reforma introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 12.403/2011 trouxe a ampliação do rol das medidas de cautela, tornando possível a decretação da suspensão cautelar do exercício de função pública ou atividade econômica ou financeira (artigo 319, inciso VI), nas hipóteses em que houver justo receio de sua utilização para o cometimento de crimes, atendido os demais pressupostos previstos pelo artigo 282 da norma processual penal.

 

            Salutar a medida introduzida pela nova lei, pois não eram raros os casos em que, diante de dúvida razoável e à ausência de “medida de cautela de meio termo”, restava mantida a prisão em flagrante delito ou era decretada a prisão preventiva, ao argumento de que solto o indiciado ou acusado poderia continuar a praticar os crimes de mesma natureza ou mesmo dificultar a persecução penal, criando obstáculo à produção de provas, ocultando documentos, exercendo alguma espécie de constrangimento em testemunhas ou na própria vítima, etc.

 

            No caso dos autos, considero que a continuidade do exercício da atividade econômica por parte dos acusados, mormente, aqueles que exercem a função de diretores e sócios formais e informais das empresas envolvidas nos eventos criminosos descritos na denúncia, principalmente em razão dos crimes de formação de quadrilha, peculato e falsidade ideológica, constitui grave ameaça à ordem pública, dada a reiteração criminosa na prática de atos lesivos ao erário público, materializados e demonstrados em outros processos instaurados (e alguns inclusive julgados) que envolvem as mesmas empresas e seus diretores, sócios e acionistas presentes neste processo.

 

            Lembremos que dois dos acusados, Tufi Soares Meres e Rosimar Gomes Bravo e Oliveira já foram condenados em 1º grau, no Rio Grande do Norte, por Corrupção ativa, nos autos do proc. 0125526-25.2012.8.20.0001, que tramitou na 7ª Vara Criminal de Natal. O primeiro é presidente da Salute Vita,  grupo do qual faz parte Associação Marca, e chefia uma organização criminosa, conhecida como “Máfia do 3º Setor” no Rio de Janeiro, que teria sido desvelada por investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rosimar Gomes, por sua vez, como sócia, é a responsável pela atividade operacional da Associação Marca, também desvelada através da operação Assepsia.

 

            Tal presunção, em alguns casos, aliada à suposta gravidade do crime ou crimes cometidos, conduziria à decretação da prisão preventiva para assegurar a garantia da ordem pública e econômica. Isto porque, se o crime cometido estiver diretamente relacionado à atividade econômica ou financeira, havendo necessidade de assegurar a efetividade da persecução penal ou impedir, desde logo, a reiteração da atividade criminosa, poderá ser decretada a medida de cautela prevista no artigo 319, inciso VI do CPP, sem prejuízo da decretação de outra medida de cautela em complemento, como a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (artigo 319, inciso II) e a proibição de manter contato com pessoa determinada por circunstâncias relacionadas ao fato (artigo 319, inciso VI), cautelas que poderão se apresentar mais eficazes, adequadas e proporcionais em se tratando de crimes praticados contra a administração pública ou contra a ordem econômica e financeira, evitando-se, quando possível, a decretação da prisão preventiva.

 

            Em relação ao caso em análise, há justo receio do cometimento de novas infrações penais com a continuidade da atividade econômica por parte dos denunciados.  Importa salientar que, no curso da investigação ou instrução criminal, se revelar ineficaz ou forem descumpridas as determinações impostas como decorrência daquelas medidas cautelares, será sempre permitida a decretação da prisão preventiva (artigos 282, § 4º e 312, parágrafo único, do CPP).

 

            Com efeito, dispõe o art. 319, do Código de Processo Penal que: São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica. (grifamos).

 

            Sobre a possibilidade da suspensão da atividade econômica por receio de dano ao erário como medida cautelar para se evitar a prisão processual contamos com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E QUADRILHA. OPERAÇÃO FRATELLI. PRISÃO PREVENTIVA CONVERTIDA EM MEDIDAS CAUTELARES. FIANÇA. SUSPENSÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA. POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DELITIVA. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Estatuto Processual Penal admite a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, observando-se a adequação e necessidade de tais imposições. É de ver que, no processo penal de cariz democrático, a liberdade é a regra, a qual deve ser prestigiada diuturnamente. 2. O instituto da fiança tem por finalidade a garantia do juízo, assegurando a presença do acusado durante a persecução criminal e o bom andamento do feito. Interpretando sistematicamente a lei, identifica-se uma finalidade secundária na medida, que consiste em assegurar o juízo também para o cumprimento de futuras obrigações financeiras. 3. No caso concreto, o Tribunal a quo justificou seu posicionamento considerando "a existência de indícios razo&

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