Até a tarde desta terça-feira, 9, acreditava que a pior agressão que o homem poderia sofrer era um tapa na cara.
O tapa na cara, além da dor externa, atinge o orgulho do homem. Machuca lá dentro e por muito tempo. Talvez nunca esqueça.
A mancha dos cinco dedos desaparecem no rosto do camarada e a dor continua moendo por dentro. O sujeito não dorme.
É uma pancada tão forte no orgulho, que lá no interior de Catolé do Rocha (PB) dizem que em rosto de homem não se bate.
E se bater, faça logo o favor de comprar o caixão para não gerar gastos financeiros aos familiares. É assim!
Mas nada disto se compara a passar fome. Havia alguns anos que não testemunhava tal agressão de tamanha magnitude.
Hoje estava me deslocando da sede do portal Mossoró Hoje para o Hospital Maternidade Almeida Castro (Oeste-Leste).
Perto do Hiper Bom Preço havia uma criança brincando com folhas e uma mulher esquelética sentada com a cabeça baixa.
Observei nas vestimentas que não se tratava de mendigo. Retornei e tive a certeza. A criança foi logo puxando assunto.
A criança perguntou se eu brincava muito e que se topava brincar de bila. Disse que era um bom jogador.
Disse que se jogasse comigo iria vencer e dá alegria a mãe. A senhora pediu que o filho ficasse perto dela.
Perguntei se a criança tinha se alimentado hoje. A mãe disse que não e mostrou a embalagem de um pacote de bolacha.
Era o café e o almoço da criança doado por uma pessoa que passou. A mulher se tremia ali sentada no meio fio.
Só havia bebido água nas últimas 24 horas. Levei para se alimentarem e no caminho contou mais sobre a vida deles.
A senhora é a dona de casa Maria Erineuza F. de Brito, de 47 anos. Tem três filhos menores. Está separada. Cria os três só.
Morava em Mossoró, mas aqui o barraco que ela morava desabou e ela foi morar em casa alugada na Serra do Mel.
A única fonte de renda é o que recebe do Bolsa Família, pouco mais de R$ 200,00. R$ 100 fica no aluguel.
O que sobra, compra farinha e faz o que dá pra fazer com o que é doado pelas irmãs num forno a lenha para os filhos.
Neste ponto da história, eu já estava chorando. Fingir ser durão e continuei dirigindo, peguntando e ela respondendo.
Disse que estava em Mossoró para fazer uns exames que o médico mandou fazer e que hoje não havia sido atendida.
Quando parei o carro, fazendo um esforço tremendo para não deixar perceber as lágrimas, pedi as requisições dos exames.
Eram muitos. Havia uma dúvida: parte do que ela sentia talvez se resolvesse com alimentação. Era consequência da fome.
Enquanto a comida era servida, a criança aparentemente sadia, mas muito esperta, voltava a desafiar para um jogo de bila.
Observei no olhar dela que a fome além da dor, de machucar lá dentro, também destrói a alma. A pessoa fica desalmada.
Quando arrocha mesmo, perde fé. Era assim que ela estava quando a encontrei sentada na calçada perto do Hiper.
Em momento algum a mulher falou em Deus, nem em nada que lembrasse qualquer igreja. Parecia conformada com o destino.
Não sei como, mas de certa forma aquela dor imensa foi compartilhada comigo. Fiquei congelado. O que fazer??
Como o ser humano consegue ser tão desumano? Ela conta que pediu ajuda a muitos e não conseguiu.
Havia vindo para Mossoró de carona e para voltar para a Serra do Mel ainda não tinha ideia de como ia fazer.
Após se alimentar, levei a senhora e seu filho para uma residência, na Rua Pedro Velho, no bairro Santo Antônio.
O endereço foi fornecido por ela. Disse que conhecia a dona da casa e que ia pedi dormida. Ficou lá.
Devolvi a sacola dos exames com a garantia para o retorno ao lar, alguns alimentos e medicamentos.
Não tirei fotos ...