29 ABR 2024 | ATUALIZADO 17:14
EDUCAÇÃO
ANNA PAULA BRITO
28/02/2020 19:02
Atualizado
28/02/2020 19:07

Trabalho de "formiguinha" que leva jovens do campo a universidade

A professora Tatiana Cybelle Rocha Neri, de 42 anos, viu sua realidade mudar completamente ao ingressar no curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo, idealizado em 2008, na Ufersa, e voltado para filhos de agricultores e assentados. Após 19 anos sem estudar, ela ingressou na universidade e passou a fazer um trabalho de “formiguinha” para levar jovens do campo a universidade, por enxergar nos estudos os caminhos sólidos para o crescimento pessoal e também da própria comunidade.
A professora Tatiana Cybelle é moradora do Assentamento Recanto da Esperança, localizado na Comunidade Alagoinha, zona rural de Mossoró. Através do exemplo dela, diversos jovens da comunidade hoje estão estudando em um curso de nível superior na Ufersa.
FOTO: MOSSORÓ HOJE

Não é novidade que a educação é um meio eficiente de mudar a realidade das pessoas e modificar o meio em que vivem. No caso de Tatiana Cybelle Rocha Neri, de 42 anos, ingressar em um curso superior foi o divisor de águas na vida dela e do Assentamento Recanto da Esperança, localizado na Comunidade Alagoinha, zona rural de Mossoró.

Aos 37 anos, Tatiana soube através de uma amiga que a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) estava abrindo um processo seletivo para o curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo, com o objetivo de suprir a necessidade de terem professores do campo para preencher as vagas das zonas rurais do Rio Grande do Norte.

Voltada para filhos de agricultores e assentados que pudessem comprovar seu parentesco, Tatiana viu na seleção a oportunidade perfeita de retomar os estudos e dar um novo rumo a sua vida.

“O curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo, foi a porta de entrada para que eu pudesse fazer a diferença para minha comunidade. Fui avisada por uma amiga chamada Lucinete, que já estava ingressando na Universidade, e ela me explicou como participar e foi então que fiz o processo seletivo e passei”, contou.

Criado em 2008, durante a gestão do então reitor Professor Josivan Barbosa, o curso já atendeu a uma média de 400 alunos. Além dele, a expansão da Ufersa, abrindo novas vagas e oportunidades, também contribuiu para modificar a realidade dos jovens do campo.

“Quando você visitava uma comunidade rural dessa, principalmente um assentamento, dificilmente você encontrava pelo menos um jovem na universidade. Agora, nós visitamos uma comunidade onde tem 10 jovens, num total de 80 famílias, dentro da universidade. Isso já representa 10%, nós precisamos avançar, mas já é um bom trabalho que essa universidade está prestando para a região. Portanto o projeto (UFERSA) que foi idealizado em 2005, hoje ele presta excelente serviço para a sociedade”, explicou o Josivam Barbosa.

Antes de fazer parte dessa história de sucesso, Tatiana contou que havia concluído o ensino médio aos 18 anos e mesmo tendo o sonho de ser professora, diante das poucas oportunidades na época, teve que interromper os estudos para cuidar dos filhos e ajudar em casa.

“Eu almejava cursar um curso superior. Ser professora sempre foi um sonho de criança, principalmente ao ver as dificuldades de nossas escolas do campo e a falta de professores”, disse.

Ao observar o mundo novo que se abriu para ela, Tatiane decidiu incentivar outros jovens da comunidade a trilharem o mesmo caminho rumo à Universidade.

“Quando já estava no curso comecei a fazer um trabalho de formiguinha em convidar as meninas que estavam terminando o ensino médio, isso durante o trajeto de ida e vinda no ônibus com os alunos. Pegava sempre carona nos ônibus para ir a Universidade. Eu ia atrás mesmos das meninas e meninos da comunidade. Quando tinha processo seletivo para o curso, pegava os documentos deles ou delas, fazia a inscrição e tudo, e avisava o dia para eles irem fazer a prova. Lutei e luto para que meus amigos e colegas tenham a mesma oportunidade que tive. Para mim demorou, mas o que for possível para fazer para que eles ingressem cedo, eu corro atrás mesmo”, explicou Tatiana.

A intenção dela é fazer com que esses jovens estudem, desenvolvam uma carreira e, juntos, possam fazer a diferença na comunidade onde vivem.

“A partir da minha insistência e a busca por melhoria na educação, a cada ano mais jovens e amigos da comunidade ingressam na Universidade. Antes os jovens só queriam terminar o ensino médio para poderem trabalhar nos projetos que estão ao redor da nossa comunidade. Mas graças a Deus a realidade mudou”.

A Eliane Oliveira é uma das mulheres da comunidade que, através do incentivo de Tatiana, também ingressou no curso de Educação do Campo da Ufersa. Ela ingressou na instituição em 2016 e está cursando atualmente.

“Eu já tinha o desejo de cursar uma universidade, mas eu não tinha oportunidade. Através da amiga Tatiane, que já cursava Educação do Campo na Ufersa, ela me convidou a participar do curso, fazer o processo seletivo, eu fiz e fui aprovada. Nesse tempo eu trabalhava numa empresa e o desejo de cursar uma universidade era tão grande que eu dei baixa lá e fui fazer o curso”. contou

Tatiane Cybele é casada com Luciélio Silvino é mãe de três filhos, Ingrid Rocha, de 23 anos, Caio Vinícius, 19 anos, e Ricardo Filho, de 18 anos, e tem uma netinha, filha de Ingrid, a Maria Júlia, de 3 anos.

O exemplo dela também incentivou a família a correr atrás de novas oportunidades. Hoje, a filha Ingrid e o marido Luciélio estão cursando Edificações no IFRN.

O Caio foi aprovado para um curso técnico do Instituto Metrópole Digital (IMD) da UFRN, cujas aulas serão realizadas na Ufersa, em Mossoró. Já o filho mais novo, o Ricardo, está concluindo o ensino médio e acaba de passar em uma seleção para jogar em um time de vôlei em Natal, o Aeroclub. “Caio tem um sonho de cursar ciência da computação. Ricardo, Educação Física”, disse Tatiana.

Neste sábado, será realizada a colação de grau da Ufersa e Tatiana se tornará oficialmente uma professora licenciada em Educação no Campo, ao receber seu diploma de graduação.

“O curso não só mudou a realidade da minha família, como também de todos que estão inseridos diretamente e indiretamente. Nossas conversas são mais produtivas, trocamos saberes, experiências. Todos envolvidos para uma educação de qualidade para o campo, em especial para filhas e filhos do campo para atuarem em nosso lugar de pertencimento”.

Tatiana ainda acrescentou: “A Universidade veio muito contribuir na nossa comunidade, com realizações de projetos. Hoje temos um projeto zumba para as mulheres, com aulas de dança onde eu dou a aula de dança. Temos um projeto de bibliotecas rural em andamento, temos um projeto de aula de reforço para ajudar aqueles alunos que estão com dificuldade, pois sabemos que muitos pais são analfabetos e não consegue ajudar os filhos.Temos um projeto de hortaliças orgânicas na escola, projeto cinema na comunidade, entre outros. Todos projetos desenvolvidos com o auxílio da Ufersa. Como é possível ver, a universidade foi a porta de entrada para muitas oportunidades e ideias que foram desenvolvidas na nossa comunidade e, assim, todos vêm a ganhar. O sonho não para pôr aqui, temos mais professoras se formando para fortalecer o nosso time”. concluiu Tatiana.


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