28 ABR 2024 | ATUALIZADO 17:14
MOSSORÓ
POR KATHARINA GURGEL
27/03/2023 14:30
Atualizado
27/03/2023 15:30

O olhar inesquecivelmente triste do gentil e educado vendedor de cavaco chinês

Jorge, de 65 anos, caminha todos os dias das 12h às 17h vendendo cavaco chinês. Para atrair o cliente, toca um triângulo. Quando ganha muito, leva R$ 5 reais para casa. Jorge mora só no bairro Lagoa do Mato, zona sul de Mossoró. Ele explica que já procurou uma companheira, mas "as mulheres não me quiseram. Eu me sinto muito só e não me acostumo com a solidão, mas vou fazer o que?" Veja a história completa de Jorge, talvez o último vendedor de cavaco chinês em Mossoró.
Jorge, de 65 anos, caminha todos os dias das 12h às 17h vendendo cavaco chinês. Para atrair o cliente, toca um triângulo. Quando ganha muito, leva R$ 5 reais para casa. Jorge mora só no bairro Lagoa do Mato, zona sul de Mossoró. Ele explica que já procurou uma companheira, mas "as mulheres não me quiseram. Eu me sinto muito só e não me acostumo com a solidão, mas vou fazer o que?" Veja a história completa de Jorge, talvez o último vendedor de cavaco chinês em Mossoró.
FOTO: KATHARINA GURGEL

Jorge tem 65 anos. Nasceu em Macau, aqui no Rio Grande do Norte. Mais novo, morou na Bahia, trabalhando como servente de pedreiro. Viveu com uma companheira por um tempo, mas nunca teve filho com ninguém.

Veio para Mossoró há muitos anos, onde tem uns irmãos por parte de pai (mas que não sabe mais nem onde moram) e ninguém mais.

Jorge mora só, numa vila, lá no Lagoa do Mato (região sul de Mossoró), numa casa com três vãos. Sempre Jorge está sozinho. Me falou que tem uns conhecidos, mas muito poucos.

- Sou aposentado pela Lei do Amparo, aquela que dá alguma coisa para aqueles que não tem nada na vida. - Ele me fala sempre sério, mas não grosseiro. É como se a vida tivesse deixado Jorge amargurado, marcado.

A impressão que tive, enquanto conversava com ele encostada no carro, é que faz muito tempo que ele não sorri. Ele é triste, é isso. Triste de verdade, daquele jeito que dá um aperto no peito de vê.

- Jorge, e você já procurou uma nova companheira, alguém pra dividir a vida?

- Já, já sim, mas as mulheres não me quiseram. Eu me sinto muito só e não me acostumo com a a solidão, mas vou fazer o quê?

Ele faz a pergunta e fica aguardando eu responder alguma coisa. Não tive resposta naquele momento. Dessa vez, não tive.

Quando ele fala, a gente sente desgosto nas palavras. Seus olhos não tem brilho. Ao mesmo tempo, é calmo, educado e doce. Fala me dando a maior atenção.

Como metade da aposentadoria fica num empréstimo que Jorge fez num momento de doença, ele faz e vende cavaco chinês há mais de 15 anos. Prepara a massa pela manhã: óleo, farinha de trigo e açúcar. À tarde, sai para vender. Anda vários bairros de Mossoró: Centro, Doze Anos, passa pela Praça dos Hospitais e a Avenida Rio Branco quase toda. Sente dores nos pés e nas pernas, mas precisa vender para ter mais alguma coisa de dinheiro entrando. Anda das 12 às 17h, todos os dias.

O cavaco chinês é 3 unidades por R$2,00.

- Num dia muito bom, dá para vender uns 50 cavacos, aí apuro uns R$10,00, quando tiro o que gasto com material. Tem dias que só sobra 4, 5 reais. Tudo aumentou, aí tô até pensando em desistir de vender.

Falei para Jorge que ia procurar ajudá-lo de alguma forma e perguntei como conseguiria achá-lo. Ele não tem celular, mas me passou o contato de uma vizinha, que é o elo de ligação dele com uma clínica, onde aguarda na fila para uma cirurgia de catarata.

Talvez de todo mundo que um dia cruzou o meu caminho com sua história, Jorge tenha sido a pessoa com o olhar mais triste que já vi. Um olhar inesquecivelmente triste.

- Dona Katharina, da vida eu só tenho a vida mesmo. - Me falou antes de nos despedirmos.

Eu tô vendo, Jorge.

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