Destaque na arte e no meio acadêmico, mossoroense comenta fase de crescimento em Portugal
Carlos Guerra Júnior tem atuado como pesquisador em grandes universidades e recentemente foi um dos destaques em documentário sobre arte e academia
Conhecido em Mossoró como jornalista esportivo, Carlos Guerra Júnior tem tido uma rotina bastante diferente em Portugal. Ele tem mostrado uma postura polidinâmica, atuando em várias frentes como pesquisador, organizador de eventos e artista. Ele chegou a Coimbra, terceira maior cidade de Portugal em 2012, para a realização do mestrado em Comunicação e Jornalismo, estudando sobre o rap e acabou se tornando também um artista do meio. Concluído o mestrado, atualmente está no terceiro ano do doutorado, o que possibilitou, junto com o seu talento artístico, a abertura de portas que jamais esperava.
No meio acadêmico, Carlos Guerra Júnior já participou em 2017 de conferências em três universidades portuguesas: Universidade Nova de Lisboa, Instituto Universitário de Lisboa e Universidade de Coimbra. Além disso, já possui convites para realizar atividades na Universidade de São Paulo e na Universidade de Santiago, em Cabo Verde, país africano.
"O convite para a USP era para uma conferência em agosto, que abriria as aulas da maior universidade do Brasil, para falar junto com o Luaty Beirão, um ativista e rapper angolano que ficou conhecido internacionalmente por ter sido preso, por um ano, junto com 16 ativistas que debatiam sobre os problemas locais. Ele fez greve de fome e chamou a atenção da Amnistia Internacional e União Europeia.
Nós fizemos uma conferência juntos em Coimbra, em dezembro do ano passado, e a vice-diretora do Centro de Estudos Africanos da USP estava presente e nos convidou para uma atividade semelhante. Porém, tive um empecilho, por estar atualmente em processo de renovação da bolsa. O convite da USP continuou para uma atividade futura e irei fazer uma oficina sobre rap, junto com o rapper Renan Inquérito, que faz doutorado em São Paulo e esteve recentemente na Universidade de Coimbra", ressaltou Carlos.
Ele ainda contribuiu para publicações científicas internacionais. A primeira contribuição foi um artigo científico que apresentou a importância do rap como ferramenta de combate a hegemonia econômica, na Revista Internacional de Folkcomunicação. Além disso, produziu mais um artigo para o e-book do Congresso "Activisms in Africa em Lisboa" e fez uma contribuição inédita ao escrever o epílogo de um livro científico em rap, para o livro acadêmico "Direitos Urbanos", que será lançado no próximo mês. Mesmo com toda essas tarefas, segue na produção constante da tese de doutorado sobre o rap como forma de ativismo político no espaço lusófono.
Artista
Carlos Guerra Júnior brinca que pouca gente o conhece pelo seu nome de origem em Portugal. Ele optou por ser chamado de Mossoró, como afirmação da identidade cultural do interior do Nordeste. E é como "Mossoró" que ele atua como artista e participa do filme "Show Utópico", lançado no último dia 06 de julho e agora já disponível no Youtube, através do link https://www.youtube.com/watch?v=-qy9xGltpSw.
O filme "Show Utópico" tem como arguentes os pesquisadores Boaventura de Sousa Santos e Sara Araújo e o realizador Pedro Neves. O filme trata dos bastidores de um show realizado em junho do ano passado, na qual Mossoró é um dos que atuam.
O filme foi exibido pela primeira no "Colóquio-Concerto RAPensando as Ciências Sociais e a Política", que contou com debates, concerto e exibição do filme e aconteceu no último dia 05 e 06 de julho e buscava equilibrar os saberes acadêmicos e artísticos. O mossoroense fez uma participação como mediador de debates e artista, além de ser um dos organizadores, na atividade do Centro de Estudos Sociais, que é presidido pelo premiadíssimo sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
"Acho que qualquer passo dado na carreira tem que ter um agradecimento ao Centro de Estudos Sociais, porque foi a primeira grande oportunidade. Eu era um doutorando que não me consideraria aceito no meio acadêmico, estava até meio desestimulado, querendo voltar para Mossoró. Me encontrava em um não-lugar, mas quando eu vi que o CES tinha uma proposta de equilibrar os saberes da academia, com outras formas de conhecimento, eu me ofereci para contribuir no evento do ano passado e a pesquisadora Sara Araújo concedeu gentilmente um espaço. Acabei participando pela primeira vez de um grande show, que virou um documentário, que leva o nome de ´Show Utópico´.
O nome dado é porque é uma utopia tanta gente diferente junta formando uma ecologia dos saberes. Tinha rappers, contador de história, pesquisadores e crianças ciganas. Além disso, também participei do debate, que equilibrou as falas entre os pesquisadores e artistas", comentou Carlos Guerra Júnior, que utiliza o nome Mossoró, como artista.
"Mossoró" afirma que teve o contato com o rap na adolescência e que esse estilo foi o principal responsável pela sua formação política, mas só conseguiu se ver como um artista que poderia apostar nessa vertente, após a participação no espetáculo do ano passado.
"Eu sempre brinquei com rimas, fazia com o meu bisavô, que era repentista e também nos jogos do Baraúnas, mas nada muito sério. Escrevi umas letras na adolescência, mas ninguém levou muito a sério, daí desisti. Era sonho, mas muito distante, porque faltava quem se interessasse em ver. Em Portugal, me senti mais livre para rimar e fui fazendo isso em rodas com o pessoal e em alguns barzinhos, até que tudo mudou quando eu me apresentei no teatro lotado. Daí, surgiu um convite atrás do outro.
Acho que já me apresentei cerca de 20 vezes, entre pequenas e grandes participações", comentou o artista, afirmando que canta RAPente, uma mistura entre o rap e o tradicional repente do Nordeste. "Estou no início da produção do primeiro videoclipe e, muita gente vai entender o que é essa mistura. Além disso, podem esperar uma postura politizada, pois tenho acompanhado bem o caos que está em Mossoró e já o conhecia de perto quando trabalhava como jornalista", comentou.
Um dos objetivos artísticos do semestre é a participação nas finais do Portugal Slam, um campeonato de poesia teatralizado, que reúne vencedores de etapas regionais, para decidir quem vai representar Portugal no circuito mundial. Como já venceu uma das etapas, "Mossoró" afirma que está treinando performance, para conseguir sucesso nesse circuito. "Eu consegui a vitória em uma etapa da Margem Sul, na região metropolitana de Lisboa. O objetivo maior é espalhar a poesia, não a competição, mas se conseguir sucesso, será muito levar o nome da cidade de Mossoró, apesar de ser por Portugal, onde moro", salientou o artista.
Organizador de eventos culturais
A participação no espetáculo que originou o filme "Show Utópico" possibilitou o convite para entrar na Secção de Escrita e Leitura da Associação Acadêmica da Universidade de Coimbra (SESLA). A partir daí, "Mossoró" se encontrou também como organizador de eventos culturais.
"Um diretor da SESLA estava na plateia e me chamou para participar da equipe. Participei primeiro de algumas tertúlias literárias, mais como um observador participante, até que comecei a me articular para trazer alguns artistas de renome para Coimbra. Foi daí que também entrei na Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros de Coimbra convidei o humorista do Porta dos Fundos, Gregório Duvivier, os rappers angolanos MCK e Luaty Beirão e realizamos eventos de sucesso, com apoio do CES e do SESLA.
Depois, o rapper Renan Inquérito chegou a Coimbra a convite do Centro de Estudos Sociais e pudemos fazer algumas atividades juntos, como se apresentar em praça pública, em Lisboa. Além disso, fiz uma pequena participação no show dos angolanos também em Lisboa", comentou, afirmando que também que participou da organização de eventos com os ex-ministros brasileiros Ciro Gomes e José Eduardo Cardoso, junto com a Apeb Coimbra. "Depois que se ganha credibilidade com os primeiros contatos, a rede só aumenta".
"Mossoró", que também já fez uma participação artística na Hungria. Recentemente, ele foi um dos realizadores de um concerto experimental denominado "Crioular", que uniu vozes do rap de sete países falantes da língua portuguesa. O evento, que aconteceu no dia 23 de junho, reuniu membros da crew de Coimbra, Velha Capital, que é o resultado da união de três grupos de rap da cidade. Com isso, ele recebeu o convite para entrar na crew e ampliar os projetos, com os demais membros.
"Aceitei o convite e vou entrar muito motivado. É a oportunidade de ter gravações oficiais e de organizar mais eventos e atividades inovadores, que unam as artes, a academia e a política. Acredito que está nascendo um núcleo de grande criação aqui em Coimbra, que será expandido para várias partes do mundo. Para isso, vou usar o feedback de tudo que foi aprendido aqui e também toda a experiência como jornalista, pois também queremos produzir conteúdos informativos", comentou, afirmando que não abandonou por total o futebol. "Hoje, já não assisto o futebol com tanta frequência, porque falta tempo e os objetivos são outros. Me desiludi um pouco, depois de ter feito projetos em diferentes frentes, ter vencido concurso nacional de jornalismo esportivo e ver que o futebol é um antro de corrupção. Mas continuo muito apaixonado pelo Baraúnas e já me apresentei com a camisa do clube".