Mesmo sem ser investigado ou indiciado, o jornalista Glenn Greenwald, do site "The Intercept", foi denunciado pelo Ministério Público Federal na operação Spoofing, que investiga invasões de celulares de autoridades.
O jornalista foi denunciado pelo crime de associação criminosa e pelo crime de interceptação telefônica, informática ou telemática, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
O site "The Intercept" publicou, em 2019, conversas atribuídas ao então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e procuradores da Operação Lava Jato.
Segundo o site, Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores, o que, para o "The Intercept", evidencia parcialidade do então juiz.
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Investigações da Polícia Federal mostraram que os celulares das autoridades haviam sido hackeados. Um dos investigados, o hacker Walter Delgatti Neto, afirmou em depoimento que repassou o conteúdo das conversas para Glenn.
Uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedida em 2019, determinou que o jornalista não fosse investigado na Spoofing.
O MPF informou que Glenn não foi investigado, mas que indícios contra ele surgiram a partir das apurações sobre os hackers. Por isso, segundo o MPF, ele foi denunciado mesmo sem ser investigado.
Ainda de acordo com o MPF, Glenn "auxiliou, orientou e incentivou" o grupo de hackers suspeito de ter invadido os celulares de autoridades, durante o período em que os delitos foram cometidos.
Em nota, a defesa de Glenn afirmou que a denúncia é um "expediente tosco", que desrespeitou a decisão do ministro Gilmar Mendes.
Disse ainda que o objetivo da denúncia é depreciar o trabalho jornalístico realizado pelo "The Intercept". (Veja a íntegra da nota ao final desta reportagem).
O site disse em nota que a ação do MPF é uma tentativa de criminalizar não apenas o trabalho do veículo, mas de todo o jornalismo brasileiro.
"Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse", afirmou o "The Intercpet".
O veículo cita ainda que causa perplexidade que o Ministério Público Federal "se preste a um papel claramente político, na contramão do inquérito da própria Polícia Federal".
O Ministério Público também denunciou o grupo que já vinha sendo investigado no caso:
Walter Delgatti Netto
Thiago Eliezer Martins Santos
Danilo Cristiano Marques
Gustavo Henrique Elias Santos
Luiz Henrique Molição
Suelen Oliveira
A apresentação da denúncia não significa que as pessoas apontadas pelo MPF sejam culpadas. A Justiça ainda tem que analisar a denúncia e, se entender que há indícios de crimes cometidos, determinar a abertura do processo. Só então os investigados viram réus e, ao final do processo judicial, são absolvidos ou condenados.
NOTA DA DEFESA DE GLENN
Recebemos com perplexidade a informação de que há uma denúncia contra o jornalista Glenn Grenwald, cofundador do The Intercept. Trata-se de um expediente tosco que visa desrespeitar a autoridade da medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601, do Supremo Tribunal Federal, para além de ferir a liberdade de imprensa e servir como instrumento de disputa política. Seu objetivo é depreciar o trabalho jornalístico de divulgação de mensagens realizado pela equipe do The Intercept Brasil em parceria com outros veículos da mídia nacional e estrangeira. Os advogados de Glenn Grenwald preparam a medida judicial cabível e pedirão que a Associação Brasileira de Imprensa, por sua importância e representatividade, cerre fileiras em defesa do jornalista agredido.
Rafael Borges e Rafael Fagundes
NOTA DO INTERCEPT BRASIL
1. Os diálogos utilizados pelo MPF na denúncia são rigorosamente os mesmos que já haviam sido analisados pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, e acerca dos quais a PF não imputou qualquer conduta criminosa a Glenn.
2. A PF concluiu: "Não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados".
3. A PF destaca, inclusive, a "postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões" por parte do jornalista co-fundador do Intercept.
4. Glenn Greenwald não foi sequer investigado pela PF, pois não existiam contra ele os mínimos indícios de cometimento de crimes.
5. Causa perplexidade que o Ministério Público Federal se preste a um papel claramente político, na contramão do inquérito da própria Polícia Federal.
6. Nós do Intercept vemos nessa ação uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas de todo o jornalismo brasileiro. Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse.