O Juiz Orlan Donato Rocha, da 8ª Vara Federal de Mossoró-RN, confirmou, em sentença nesta terça-feira, 15 de dezembro de 2020, a decisão tomada liminarmente em outubro de 2014 pela Justiça Estadual, do Trabalho e Federal, para que uma junta interventiva assumisse o controle da Associação de Assistência e Proteção a Maternidade e a Infância de Mossoró, com a missão de colocar em funcionamento, naquela época, o serviço materno infantil na região.
Confira SENTENÇA NA ÍNTEGRA.
A Junta Interventiva, liderado por Larizza Queiroz, assumiu o controle da APAMIM e reabriu o Hospital Maternidade Almeida Castro, passando a negociar e pagar dívidas milionárias que somadas passam de 50 milhões junto a servidores, bancos, fornecedores e prestadores de serviços. Estas dívidas ainda estão sendo pagas, mediante negociação de parcelamento.
Na sentença também está bem claro a origem dos recursos que os interventores tiveram a acesso para reabrir todos os serviços, negociar dívidas e pagar e custear os serviços salvando centenas de vidas.
Segue:
Origem dos recursos da APAMIM
Os recursos públicos destinados à APAMIM, de forma habitual, estão todos previstos no Convênio nº 01/2019 celebrado entre o Município de Mossoró e a APAMIM (id. 7984116). O modelo de alocação dos recursos financeiros de custeio em execução é de orçamento misto, compreendendo um componente préfixado e outro componente pós-fixado, o primeiro refere-se às portarias específicas e o segundo engloba as ações de média e alta complexidade hospitalar, pagos por produção SIA/SIH/SUS.
As parcelas remuneratórias serão compostas da seguinte forma:
1) Pré-fixado:
- O valor de R$ 3.262.201,80/anual (três milhões, duzentos e sessenta e dois mil, duzentos e um reais e oitenta centavos) referente ao Incentivo Hospital Filantrópico, a ser transferido ao hospital em parcelas fixas duodecimais de R$ 271.850,15 (duzentos e setenta e um mil, oitocentos e cinquenta reais e quinze centavos);
- O valor de R$ 6.536.916,36/anual (seis milhões, quinhentos e trinta e seis mil, novecentos e dezesseis reais e trinta e seis centavos, a ser transferido em parcelas fixas mensais de R$ 544.743,03 (quinhentos e quarenta e quatro mil, setecentos e quarenta e três reais e três centavos) referente ao Incentivo Rede Cegonha - Portaria 1.883 e aditivos;
- Recurso destinado pelo Estado do Rio Grande do Norte em favor da APAMIM, através da Processo Judicial Eletrônico: gestão local SUS, como forma de compensação financeira decorrente de composição feita em acordo judicial, em função do fechamento do hospital da mulher, no valor mensal de R$ 438.000,00 (quatrocentos e trinta e oito mil reais). O Estado redirecionou tal valor do Ministério da Saúde diretamente ao Município de Mossoró, para que este transfira o montante em favor da APAMIM. Note-se que o referido recurso já foi agregado ao teto financeiro dos serviços do Município de Mossoró, pelo programa de pactuação integrada (PPI), via Ministério da Saúde.
- O valor de até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais)/mensais, oriundos da fonte 1001, em decorrência da necessidade de promoção e desenvolvimento dos serviços de saúde prestados pela Conveniada, a título de fomento, recomposição e incentivo pelas metas qualitativas e quantitativas.
2) Pós-fixado:
- No montante de até R$ 10.200.000,00/anual (dez milhões e duzentos mil reais), a ser transferida à conveniada em parcelas variáveis de até 10% duodecimais de R$ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil)/mensais, no que se refere à produção mensal;
- Os valores do TCEP (Termo de Cooperação entre Entes Públicos), a serem repassados para a Conveniada de forma pós-fixada, de acordo com a produção SUS, onde os valores serão custeados em forma de complementação, sendo 60% pelo Ente Estadual e 40 % pelo Ente Municipal, a fim de fortalecer as ações de cirurgias eletivas de média complexidade, como também a complementação dos leitos de UTI, perfazendo um valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a diária, por leito credenciado.
Manobras da gestão municipal
Apesar das inúmeras manobras da gestão municipal, muitas delas em travar os repasses financeiros enviados pelo SUS especificamente para custear a unidade de saúde materno infantil, os interventores conseguiram abrir mais ou menos 180 leitos, sendo que destes 17 de UTI neonatal, 15 de Berçário, 18 de Canguru, além de uma UTI adulta. Com esta estrutura aberta e funcionando bem, realiza atualmente uma média de 7 mil partos ao ano.
Deste total de 7 mil partos, pelo menos 25% são bebês que chegam ao mundo prematuros ou com baixo peso, que só conseguiram sobreviver graças aos serviços que foram abertos de forma exemplar ao longo do tempo no Hospital Maternidade Almeida Castro, que substituiu a então Casa de Saúde Dix Sept Rosado, que foi encontrada em outubro de 2014 fechada.
A Junta Interventora conseguiu mudar completamente o quadro de prestação de serviços no Hospital Maternidade Almeida Castro, tanto com servidores, equipamentos e local de trabalho. O prédio da antiga casa de saúde Dix Sept Rosado foi totalmente transformado com o Hospital Maternidade Almeida Castro. Passando em frente, é possível comprovar.
Apesar da importância do Hospital Maternidade Almeida Castro para o Oeste do Rio Grande do Norte, a Junta Interventora teve que travar uma batalha jurídica, quase que mensal na Justiça Federal, para garantir que o previsto na liminar inicial do processo de intervenção fosse cumprido pelo Governo do Estado e pela Prefeitura de Mossoró. Este problema continua.
Bloqueio de recursos
Além de confirmar a liminar de 2014, o juiz Orlan Donato Rocha determinou a dissolução em definitivo e o afastamento por completo do quadro societário da APAMIM. Nesta mesma sentença, o juízo federal determinou o imediato bloqueio de R$ 3,4 milhões das contas da Prefeitura. Estes recursos foram retidos ilegalmente pela gestão atual do município.
“No entanto, conforme se observa na petição de id. 7984107, o Município de Mossoró está em atraso nos repasses, o que abala o equilíbrio econômico financeiro do contrato entre as partes, impondo ao contratado dificuldades no cumprimento das obrigações contratuais e podendo acarretar até mesmo a descontinuidade de serviços essenciais. Assim, é de se notar o pagamento de repasses para o custeio da saúde pública prevalece em detrimento de outras dívidas estatais, sob pena de configuração de ato lesivo ao direito fundamental à saúde.
Ante o exposto, defiro o pedido incidental da Junta Interventora, de caráter URGENTE, e DETERMINO o imediato bloqueio nas contas do Município de Mossoró no valor de R$ 3.492.455,83 (três milhões, quatrocentos e noventa e dois mil, quatrocentos cinquenta e cinco reais e oitenta e três centavos), a ser destinado em favor da APAMIM”, escreveu.
Para confirmar a liminar da intervenção judicial, o juiz federal Orlando Donato Rocha, observou com cautela inúmeros pareces do Ministério Público Federal, Ministério Público do Rio Grande do Norte, Ministério Público do Trabalho, do Governo do Estado, da Prefeitura de Mossoró, além de documentos arrolados pela intervenção judicial (destacando-se o trabalho da equipe do advogado Gustavo Lins) e do Conselho Regional de Medicina, que é o titular da ação na Justiça Federal que resultou na intervenção judicial.
Na sentença de 25 páginas, o juiz Orlan Donato Rocha cita o colega juiz da Justiça do trabalho, Magnos Kleiber, com destaque ao trecho a seguir:
"Há comprovação documentada de que os associados e administradores faziam uso de retiradas para si ou para terceiros, e, mesmo diante do recebimento de recursos públicos suficientes para manter as atividades e os salários dos seus empregados (o que tem feito a Junta Interventora até então), mesmo assim, levou por mais de década a APAMIM ao empobrecimento, e com as retiradas de dinheiro público pela entidade recebidos, ao enriquecimento de seus associados e beneficiários. Há comprovação documentada de pagamento de valores a familiares dos associados, sem comprovação de qualquer contraprestação, segundo informam os documentos carreados ao relatório exibido nos autos pela Junta." Magnos Kleiber, juiz do trabalho.
Orlan Donato Rocha cita diretamente inúmeros problemas administrativos deixados pela gestão antiga da APAMIM, serviços parados por falta de pagamento e também de estrutura de funcionamento, algo que hoje o cenário é totalmente diferente. Observa que a decisão judicial tomada liminarmente em 2014 foi acertada e que os números mostram com clareza que centenas de vidas foram salvas ao longo destes anos.
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a ação para:
a) DETERMINAR a manutenção da APAMIM, com a dissolução DEFINITVA e o afastamento de seu quadro associativo anterior;
b) HOMOLOGAR o Novo Estatuto da Associação, anexo de id. 4874396.
c) DETERMINAR o início da fase de Transição, a partir de 05 de janeiro de 2021, a qual terá duração de 02 (dois) anos, para fins de conclusão efetiva dos trabalhos da Junta Interventora;
d) HOMOLOGAR o Convênio de nº 01/2019 (id. 7984116) para todos os fins, inclusive o de desonerar o Município de Mossoró em relação aos profissionais médicos (ginecologistas, anestesistas e pediatras – em salas de parto e UTI-Neo);
e) DETERMINAR, em sede de tutela de urgência, o imediato bloqueio nas contas do Município de Mossoró no valor de R$ 3.492.455,83 (três milhões, quatrocentos e noventa e dois mil, quatrocentos cinquenta e cinco reais e oitenta e três centavos), a ser destinado em favor da APAMIM;
f) DETERMINAR, ainda, em sede de tutela de urgência, que o Município de Mossoró promova a
devida transferência dos valores de produção do mês de novembro de 2020 em favor da APAMIM, no prazo de 5 dias úteis, tendo em vista a comprovação de repasse já realizado, conforme documentação de ids. 7984121 e 7984124 e nos termos do Convênio firmado (id. 7984116).
g) DETERMINAR que o custeio das cooperativas NEOCLÍNICA, CAM, SAMA E NGO e COOPERFISIO, bem como o fornecimento de oxigênio, continue sendo realizado pelo Estado do Rio Grande do Norte, enquanto perdurar a exclusividade da APAMIM na região para a prestação dos serviços de assistência materno-infantil, ou até que o Estado do RN e a APAMIM celebrem Convênio acerca deste objeto;
h) HOMOLOGAR o Acordo de contas entre o Município de Mossoró e a APAMIM, conforme documentação de id. 7984111.
Custas na forma da lei.
De acordo com o princípio da causalidade, condeno o Município de Mossoró e o Estado do Rio Grande do Norte ao pagamento de custas e honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo no percentual de 10% sobre o valor da causa, pro rata, nos termos do art. 85, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC.
Intimem-se. Expedientes necessários.
Mossoró/RN, datado eletronicamente.
ORLAN DONATO ROCHA
Juiz Federal