O autônomo Raimundo Nonato da Silva, o Titico, de 43 anos, no dia 11 de março de 2021, pilotando sua motocicleta, perdeu o equilíbrio após passar num buraco na Rua Marechal Deodoro, no bairro Barrocas, e caiu. Sofreu lesões na perna, nos braços e no rosto.
Recebeu os primeiros socorros ainda no local, do SAMU. Foi levado para o Hospital Regional Tarcísio Maia, onde passou por exames e enviado para se recuperar dos ferimentos em casa. Terminou contraindo uma bactéria e sendo novamente hospitalizado. Ficou 39 dias.
Levado de volta para casa (era perigoso ficar no hospital devido a covid19), Raimundo Nonato continua infeccionado, e não tem recursos para comprar os antibióticos, que são caros. Como está impossibilitado de trabalhar, sobrevive do que recebe dos vizinhos, irmãos e irmãs e principalmente dos pais. Está morando na casa dos pais.
O MH conversou com Seu Raimundo Nonato.
Raimundo contou que foi receber o seguro DPVAT, que paga anualmente no emplacamento da motocicleta, e a Caixa Econômica lhe negou o benefício, alegando que só efetuaria o pagamento se ele apresentasse um BO confeccionado na Polícia Civil.
Na Polícia Civil, Raimundo Nonato foi informado que, por orientação do Ministério Público Estadual, não estava mais sendo confeccionado BOs para fins exclusivos de recebimento do seguro DPVAT. Ele narra que está em desespero, pois não tem fonte de renda e carece de medicamentos para combater o avanço da bactéria na perna esquerda.
O MH apurou os fatos
O que de fato aconteceu foi que o Ministério Público do Rio Grande do Norte, na pessoa do promotor de Justiça Wendel Beetoven Ribeiro Agra, expediu recomendação há cerca de 5 anos para que a Polícia Civil não confeccionasse mais BOs para fins de recebimento de seguro DPVAT. A PCRN continuou fazendo os BOs solicitados pelas vítimas de acidentes.
Diante do quadro, o promotor Wendel Beetovem instaurou um inquérito civil número 04.23.2338.0000039/2019-78, passando a investigar a legalidade da produção de provas materiais na PCRN, para fins de recebimento do DPVAT. Com o inquérito instaurado, a PCRN decidiu por seguir a recomendação do MPRN e suspendeu a confecção deste tipo de BO.
Uma vez registrado o cumprimento da recomendação, Beetoven arquivou o inquérito.
Sem o BO, ficou no prejuízo o cidadão vítima de acidente, como é o caso de Raimundo Nonato da Silva, que perdeu o equilíbrio no buraco e caiu. Como não existe responsabilidade criminal, a PCRN não investiga. Se a PCRN não investiga, no caso não se faz BO.
Dezenas, talvez centenas de outros acidentados no RN vão ficar dependendo da ajuda dos vizinhos e da família para tratar de ferimentos, até que a Caixa adote outra prova em substituição ao BO para efetuar o pagamento do seguro DPVAT.
Procurado para esclarecer o fato, o advogado Darwin Sales confirma o prejuízo ao cidadão gerado pela suspensão do BO antes da Caixa definir outro meio de prova para pagar o seguro DPVAT. Observa que nestes casos, resta somente acionar a Justiça.
Para o advogado, a medida adotada pelo MPRN, que levou a PCRN a suspender a emissão do BO para fins de recebimento do benefício do seguro DPVAT, é inconstitucional. Ele explica: "Segundo o inciso XXXII do art. 5° da Constituição Federal, o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor ", que é complementado pelo inciso b: "a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal". Para Darwin Sales, o art. 5° da Constituição Federal assegura o direito ao cidadão, que no caso está sendo negado.