O procurador-geral da República, Augusto Aras, opinou pela validade da Emenda Constitucional (EC) 123/2022, que estendeu os programas Auxílio Brasil e Auxílio Gás e concedeu ajuda financeira aos motoristas de táxi e transportadores autônomos de cargas.
A concessão dos benefícios por parte da União foi autorizada por meio do reconhecimento de estado de emergência por conta da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustível e seus derivados, e dos impactos sociais dela decorrentes.
Em pareceres enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (16), Aras manifesta-se contrariamente a duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) que contestam a referida EC.
A ação ajuizada pelo Partido Novo (ADI 7.212) questiona, entre outros pontos, o reconhecimento do estado de emergência, que, segundo a legenda, teria criado um estado de exceção.
O partido também aponta desrespeito à cláusula pétrea do voto direto, secreto, universal e periódico e à regra da anualidade eleitoral, o que impediria o aumento de benefícios neste ano, em razão das eleições.
Quanto ao argumento de criação de um estado de exceção, o procurador-geral explica a diferença entre estado de emergência – reconhecido pela EC 123/2022 – dos estados de defesa e de sítio, previstos na Constituição Federal.
Aras pontua que as situações previstas pela Carta da República se originam de ameaças à ordem pública e à paz social, bem como de comoção grave de repercussão nacional ou de declaração de estado de guerra. Nesses casos, alguns direitos e garantias fundamentais podem ser restringidos.
Por outro lado, o estado de emergência, estabelecido pela emenda constitucional em análise, resulta da alta imprevisível dos preços do petróleo e seus derivados e seus impactos sociais. Além disso, o PGR destaca que as “únicas e exclusivas medidas para o enfrentamento do estado de emergência são – todas elas – ampliativas de direitos das pessoas mais vulneráveis”, inclusive, a flexibilização de regras fiscais para amparar as pessoas mais diretamente afetadas por situações urgentes e imprevistas. Para Augusto Aras, o estado de emergência reconhecido pela EC 123/2022 está muito mais próximo do estado de calamidade pública previsto na Constituição, que permite à União “adotar regime extraordinário fiscal”.
ELEIÇÕES
Ao analisar a alegação de violação à cláusula pétrea do voto direto secreto, universal e periódico e ao princípio da anualidade eleitoral, o procurador-geral destaca que a Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997) veda, em ano eleitoral, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública.
No entanto, assinala que a própria norma prevê exceções, como são os casos do estado de emergência e de calamidade pública e dos programas sociais autorizados em lei e já com execução orçamentária no exercício anterior.
Para o procurador-geral, nessas hipóteses, o legislador entende que a distribuição dos benefícios, que integram um programa social já existente, não tem o efeito de influenciar o eleitor.
Ou, ainda, que situações inesperadas de absoluta necessidade – estados de calamidade pública e de emergência – justificam a relativização da regra eleitoral, pois, nessas condições, direitos fundamentais como a vida e a saúde ganham concreta primazia.
“Trata-se de ponderação de direitos fundamentais (liberdade do voto e igualdade do processo eleitoral, de um lado, e vida, saúde, alimentação, moradia, do outro) feita diretamente pelo legislador”, frisa.
Nessa linha, o procurador-geral também não reconhece violação ao princípio da anualidade eleitoral. Ele explica que a EC 123/2022 não representa nenhuma inovação nas regras do processo eleitoral, ou seja, apenas executou uma das hipóteses de exceção previstas pela Lei 9.504/1997 para a concessão de benefícios em ano eleitoral.
Na avaliação de Augusto Aras, o partido busca, na verdade, discutir o próprio reconhecimento do estado de emergência. No entanto, segundo o PGR, esse debate não cabe no âmbito de ação direta de inconstitucionalidade, sob pena de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes.
ADI 7.213 – Na ADI 7.213, ajuizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Aras manifesta-se pelo não conhecimento da ação por falta de legitimidade da autora. Segundo o procurador-geral, a entidade de classe dos jornalistas representa os interesses específicos da categoria e não abrange a defesa do processo eleitoral, que é de interesse de toda a sociedade.
De acordo com o PGR, a previsão genérica do estatuto da entidade, no sentido de que a ABI tem por finalidade maior a defesa da ética, dos direitos humanos e da liberdade de informação e expressão, não a habilita a propor essa ADI. “Do contrário, ter-se-ia quase que uma legitimidade universal da Associação Brasileira de Imprensa”, observa.
Quanto ao pedido da ABI para que se dê interpretação conforme à Constituição, Aras enfatiza que a entidade busca, na verdade, incluir novas normas aos dispositivos da EC 123/2022 questionados, o que é vedado ao Poder Judiciário.
“Ocorre que não cabe ao Supremo Tribunal Federal, ainda que pela via do controle concentrado de constitucionalidade, alterar o conteúdo da lei para nela inserir norma não desejada ou para alterar-lhe o sentido inequívoco, sob pena de violação do princípio da divisão funcional de Poder”, sustenta o procurador-geral no parecer.