Com o objetivo de ampliar o estudo sociológico-criminal da violência letal intencional, o OBVIO - Observatório da Violência Letal Intencional do RN apresenta o presente relatório especial do período compreendido entre 1 de janeiro a 23 de agosto de 2016 comparado ao mesmo período dos anos de 2014 e 2015.
A coleta e a consolidação é feita por meio da Metodologia Metadados, que interpola e concatena referências e dados de forma dinâmica e integrada para a devida credibilidade e celeridade dos resultados, destarte usada para construir um banco de dados independente, interligado com diversas fontes (Plataforma Multifonte) disponíveis aos pesquisadores.
A variação dos CVLIs ao longo do período de 2014 e 2016, contando até o dia 23 de agosto do corrente ano, mostra que o crescimento das mortes violentas no Rio Grande do Norte permanece. 2014 apresentou, até a data, 1213 CVLIs, contra uma pequena queda em 2015 (1068 CVLIs), voltando a crescer em 2016: 17,6% de aumento, chegando a 1256 CVLIs.
Importa mostrar que a região Leste Potiguar, onde se encontra a Região Metropolitana de Natal (RMN) apresentou o maior crescimento, chegando a 25,9% de aumento, seguida pela região Agreste, com 15,8% de aumento e da região Oeste, com 11,9%. Apenas a região Central apresentou queda de 23,3%.
O ano corrente de 2016 vem apresentando, em todos os aspectos, aumento significativo de CVLIs, inclusive em relação a 2014, considerado o ano mais violento até então. Como mostraremos a seguir, a dinâmica persiste em outras variáveis.
Em Natal, a dinâmica dos CVLIS também apresentou crescimento significativo, perfazendo aumento de 24,4% no período supracitado. Alguns dados, porém, apontam para quebra de modus operandi, até então eficaz de combate à criminalidade homicida. Vejamos.
A Zona de maior crescimento foi a Zona Sul, com 55,6%. Havia sido até 2015, a área de maior queda nos CVLIs. Seguida pela Zona Leste, com aumento de 26,2%, da Zona Oeste com 224,6% e da Zona Norte com 17,9%. Desta última apresenta-se o único dado “positivo”, já que a variação de 2016 foi menos (por um único CVLI) que a de 2014.
Em termos absolutos, porém, o dado significativo é que a Zona Norte da capital apresenta os maiores índices de mortes violentas, seguida da Zona Oeste. Concentram as áreas periféricas de menor inserção de políticas públicas e de maior concentração da desigualdade econômica e social. Ao mesmo tempo, são os espaços onde a economia ilícita do tráfico de drogas e de outras modalidades atuam em sua distribuição.
Também é significativo a indeterminação de áreas de CVLIs, tanto por fatores burocráticos, como pela própria natureza dos dados coletados: 75% de aumento de CVLIs indeterminados, ou seja, as vítimas foram encontradas em hospitais sem nenhum registro da origem do fato criminoso, e para esses números não serem alocados equivocadamente nos bairros onde se localizam as unidades de saúde, se mantém o registro de local indeterminado. Ainda assim, no montante geral, representam poucos. Mas, um alerta: o fato de que as metodologias de registro dos CVLIs não estarem (aventamos a possibilidade) sendo utilizadas corretamente.
Em Parnamirim, terceira maior cidade do Rio Grande do Norte e município conurbado com Natal, a dinâmica das CVLIs também apresentou crescimento no período: 20,2% de aumento, com algumas áreas apresentando aumento exponencial, como o Litoral (com 133,3%) e a Zona Leste (69,2%), ao mesmo tempo que a Zona Oeste apresentou leve queda de 7,7%.
O fato de Parnamirim ser uma cidade com características de “cidade dormitório” (em termos geográficos), ao mesmo tempo em que possui uma imensa zona periférica, faz dela, assim como Macaíba, Extremoz e São Gonçalo do Amarante, regiões com alto índice de CVLIs no RN, formando a área da RMN mais violenta (em conjunto).
Em Mossoró, depois da queda significativa apresentada em 2015, os CVLIs voltaram a crescer, apresentando aumento de 35,8%. As Zonas de maior crescimento de mortes violentas na cidade foram: Zona Sul, com 275%; Zona Leste, com 184% e Zona Norte com 95%. Todas áreas com características similares à Zona Oeste e Norte de Natal, por exemplo: áreas periféricas com alto índice de desigualdade e com pouca presença de políticas públicas efetivas. As Zonas que apresentaram decréscimo foram o Centro, com menos 30% (região de maior controle e tradicionalmente, baixo índice de CVLIs) e a Zona Rural com menos 23,1% (esta sim um decréscimo extremamente significativo e que vem se mantendo segundo mostram os dados).
Quanto ao tipo de ação letal empregado nos CVLIs, importa mostrar que foi o Feminicídio o que mais teve aumento (conforme mostramos em estudo específico): 47,1% de crescimento. O Homicídio, conforme esperado, teve aumento de 20,9%, seguido pelo Latrocínio (com 13,3% de aumento) e da Ação Típica de Estado (com 13% de crescimento). Apenas a Lesão Corporal Seguida de Morte apresentou queda, com menos 15,3%.
Quanto ao meio ou instrumento empregado, os CVLIs do RN também apresentaram uma “surpresa”: o aumento da taxa de espancamentos, que foi de 75% em relação a 2015. Esta, seguida pelo aumento da asfixia mecânica provocada, com crescimento de 25%, apontam a sua inter-relação com o aumento de feminicídios, onde estes meios são também mais empregados. O crescimento do uso de arma de fogo (usado na maioria absoluta dos CVLIs) de 21,3% mostra que a dinâmica homicida segue os padrões nacionais, majoritariamente praticados com revólveres e pistolas. Apenas o uso de objeto contundente e de armas brancas tiveram queda significativa de 30,4% e de menos 14,4%.
A variação de CVLIs mensal ao longo do período vem apresentando uma dinâmica extremamente preocupante. Em 2016, com exceção do mês de janeiro, todos os demais, até esta data, apresentam crescimento significativo. Fevereiro inicia o quadro com 42% a mais em relação à 2015; seguido por março com 12,4% de aumento; abril com 23%; maio com 33,3% de crescimento; junho, maior aumento até então, com 56,3%; julho com 9,7% (houve aqui uma queda no crescimento, ligada à crise prisional, discutida por este Observatório em trabalho específico); e agosto com aumento que segue, até agora, de 15,2%.
Ou seja, 2016 apresenta crescimento contínuo e progressivo, com pouquíssimas variações, não de queda, mas de diminuição no fluxo do aumento. O quadro aponta para um crescimento recorde, ultrapassando o violentíssimo ano de 2014 e deixando para trás o decréscimo conseguido, a duras penas e com uso de inteligência e planejamento, de 2015.
Como apontado no início desta análise e apresentação dos dados, o RN vem apresentado crescimento significativo de sua dinâmica de CVLIs no ano de 2016, deixando 2015 para trás e ultrapassando, inclusive, 2014, o seu ano mais violento até então.
A taxa de homicídios por 100 mil habitantes está hoje em 36,5%, a mais alta desde que a série começou a ser calculada no Rio Grande do Norte. Em termos absolutos, já são 1256 CVLIs até a data de ontem. O dia de hoje já traz mais dados a acrescentar a esta letalidade sem freios no pequeno estado elefante. Importa mostrar que o aumento significativo de 21,7% engole a diminuição registrada em 2015 (que foi comemorada com alegria, inclusive pelos membros deste grupo de estudos).
Já são 224 vidas perdidas a mais. Os números aí estão. Auditados e assinados por quem trabalha com isso há quase uma década.
[ii] Ivenio Hermes – Escritor e Pesquisador, vencedor do Prêmio Literário Tancredo Neves. Consultor em políticas públicas de segurança e políticas de segurança pública, possuindo em sua bibliografia com 16 livros publicados e atualmente exerce as funções de Coordenador do OBVIO – Observatório da Violência Letal Intencional no Rio Grande do Norte, Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais da UFERSA (Universidade Federal Rural do Semi-Àrido), Pesquisador do COEDHUCI - Conselho Estadual dos Direitos Humanos e da Cidadania, Consultor de Segurança da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Associado Pleno do FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Créditos da foto: Luciano Capistrano