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SAÚDE
Ivenio Hermes
08/04/2017 06:48
Atualizado
14/12/2018 01:34

Sobre Cidades Violentas, Análises de Complexidade e Rankings Estatísticos

Sobre Cidades Violentas, Análises de Complexidade e Rankings Estatísticos

Por Ivenio Hermes e Sanclai Vasconcelos

Em 24 de janeiro de 2015 publicamos o texto Sobre Estatísticas e Rankings e hoje novamente voltamos a destacar a forte repercussão que o estudo “As cidades mais violentas do mundo”, elaborado pela ONG mexicana Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y Justicia Penal, tem sobre a violência das cidades.

Sobre Cidades Violentas, Análises de Complexidade e Rankings Estatísticos

Um dos alertas mais contemporâneos sobre a divulgação dos estudos estatísticos e propriamente sobre a análise criminal de complexidade, são as diferenças metodológicas. Uma análise aprofundada deve vir sempre acompanhada de um texto que a referenda do ponto de vista contextual, onde a realidade não é dissociada do objeto de estudo, pelo contrário, ela avalia fatores situacionais, aspectos sociais e espaciais, interdisciplinarizando as leituras gráficas e tabulares das estatísticas com análises sociológicas, econômicas, psicológicas e outras áreas do conhecimento.

Não estamos assim falando nada de inovador, trata-se de “Scienza Nuova” denominada por Edgar Morin[i] desde 1994, isto é, há 23 anos.

“Desta forma, fica mais fácil perceber que o Pensamento Complexo conecta ontologia, epistemologia e metodologia, três dimensões constitutivas e definidoras do Paradigma da Complexidade, por outros, também, reconhecido como o novo paradigma emergente da ciência”. Da Ontologia e Epistemologia Complexa À Metodologia Transdisciplinar, de Maria Cândida Moraes.

Portanto, observar diferenças metodológicas é um preceito mínimo que um pesquisador deve observar ao elaborar estudos que colocam no mesmo rankeamento dados estatísticos oriundos de fontes cujos métodos, à priori, divergem entre si.

O OBVIO – Observatório da Violência Letal Intencional, trabalha com a Metodologia Metadados que concatena informações de fontes variadas e que muitas vezes parecem não se conectar entre si, mas ela que segue os princípios fundamentais da Teoria da Complexidade de Morin, assim nossos trabalhos adquirem um aspecto mais profundo e que diverge, em substância e qualidade de geração de diagnósticos, de muitos estudos governamentais.

Desta feita, os dados do estudo “As cidades mais violentas do mundo” são passíveis das seguintes observações:

1-  Talvez por estar distante do objeto de estudo, dificultando a contextualização objeto x realidade, algumas regiões metropolitanas são comparadas com as capitais, além de, por exemplo o caso de João Pessoa, onde o estudo considerou apenas cinco municípios, quando a divisão política atual considera 12 municípios, onde o cálculo adequado deveria colocar a cidade de João Pessoa com uma taxa em torno de 43 por 100 mil habitantes;

2- A interpretação criminal diverge por não considerar as diferentes classificações de causa de mortes distintas, por exemplo, Natal e o Rio Grande do Norte utiliza a classificação de CVLI (condutas violentas letais intencionais – termo utilizado pelo OBVIO baseado em estudos jurídico-penais) como meio de aferição da violência homicida. Isso em si já sugere uma confusão Homicídios (conforme o termo oriundo do código penal), CVLI e outras modalidades;

3- O Brasil, particularmente, diverge de estado para estado, na metodologia padrão para contagem de homicídios, São Paulo é um exemplo enigmático disso, pois deixa de fora contagem uma série crimes letais intencionais, o que tem sugerido uma redução não aceita de seus índices de homicídios pela abordagem científica. Destarte, alguns municípios poderiam estar na lista divulgada no estudo, no entanto, não estão;

4- Ao analisar um recorte com cidades que possuam acima de 300 mil habitantes, há uma tendência, mesmo considerando o nível alto de algumas cidades (Natal por exemplo, em 2016, encerrou o ano com 57 CVLI por 100 mil habitantes), de estigmatizar certas cidades, o que certamente não o faria se considerasse inúmeros municípios, condados e outros locais com denominações próprias do mapa político de cada local;

5- A fonte que sistematiza os dados populacionais, por exemplo, é oriunda de critérios próprios. O OBVIO utiliza o censo do IBGE (2010) com as atualizações anuais publicadas por aquele, instituto, mas há variantes no estudo que podem ter origem nas estimativas do TCU. Por exemplo, no relatório está apresentado, para Recife, a população estimada foi de 3.940.456 habitantes, quando o IBGE informa, em índices recalculados, que a cidade em 2016 apresentava uma população de 1.625.583;

6- Parece não haver critério quanto ao período, inferindo que os dados podem ter se originado em parciais e/ou dados residuais variando de acordo com cada capital brasileira apontada no estudo;

As estatísticas devem ser utilizadas como ferramentas que referendam diagnósticos dentro de um padrão rígido de cálculos feitos por profissionais da área, que atuem de forma interdisciplinar com analistas de diversas áreas congregados sob a luz da interpretação da área da segurança pública. Ao contrariar esse princípio, tanto do ponto de vista metodologia quanto da epistemologia, corre-se o sério perigo da perda de credibilidade, o que explica muitas análises criminais sem credibilidade publicadas no Brasil, mesmo sendo consideradas “oficiais”.

Ao se fazer uma abordagem sobre cidades violentas, análises de complexidade e rankings estatísticos, é essencial que haja fidedignidade e transparência dos números de mortes violentas letais intencionais, que são preceitos observados em poucos estados do Brasil, alguns inclusive, utilizam esses números inovando-os artificiosamente para blindar políticas equivocadas. Embora o caso do estudo “A cidade mais violenta do mundo” não possua essa vertente politiqueira, é preciso que ele seja revisto para evitar uma errada difusão de pânico e da sensação de insegurança.

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REFERÊNCIAS

HERMES, Ivenio. Sobre Estatísticas e Rankings. 2015. Avaliação sobre O estudo “As cidades mais violentas do mundo". Disponível em: . Acesso em: 24 jan. 2015.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Sintra: Publicações Europa-América, 1994.

MORAES, Maria Cândida. Da Ontologia e Epistemologia Complexa À Metodologia Transdisciplinar. São Paulo: Puc-sp, 2015. 19 p.

 

[i] Edgar Morin, (Paris, 8 de Julho 1921), é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem sefardita. Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Autor de mais de trinta livros, entre eles: O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexo, Ciência com consciência e Os sete saberes necessários para a educação do futuro.

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