Eduardo Pazuello recebeu no Ministério da Saúde empresários que se apresentavam como intermediários para a compra da vacina Coronavac com o governo da China e prometeu fechar contrato para a aquisição de 30 milhões de doses. A proposta previa um valor por dose quase três vezes maior que o fechado com o Instituto Butantan
Um vídeo registrando o encontro chegou à CPI da Pandemia e foi enviado por um colaborador, que também remeteu aos senadores a "memória da reunião".
De acordo com o relato, o encontro com Pazuello ocorreu no dia 11 de março e a oferta do grupo que dizia conseguir viabilizar o negócio era de US$ 28 a dose - ou R$ 154,99 pelo câmbio daquele dia. O acordo com o Instituto Butantan fechado em janeiro pelo governo brasileiro era de R$ 58,20 a dose.
A reunião de Pazuello com o grupo foi registrada em vídeo. O caso foi revelado pela "Folha de S.Paulo" e a CNN teve acesso ao material que está em posse da CPI da Pandemia.
No vídeo, Pazuello anuncia que está reunido na pasta e que a comitiva é liderada por um homem chamado John. O ex-ministro deixa claro que a intenção do governo é finalizar as tratativas o quanto antes.
O vídeo mostra o então ministro satisfeito por estar com os intermediários, que poderiam trazer mais opções de vacinas ao país.
“Nós estamos aqui reunidos no Ministério da Saúde, recebendo uma comitiva liderada pelo John, uma comitiva que veio tratar da possibilidade de nós comprarmos 30 milhões de doses numa compra direta com o governo chinês e já abre também uma nova possibilidade de termos mais doses e mais laboratórios, vamos tratar semana que vem. Mas saímos daqui hoje já com memorando de entendimento assinado e com o compromisso do Ministério de celebrar no mais curto prazo um contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível, pra atender nossa população e conseguirmos controlar a pandemia que está tão grave no nosso país. Muito obrigado, John.”
O empresário identificado como John respondeu então que o ministro propôs “porta aberta“ e que poderia ser o início de uma parceria de longo prazo.
“Muito obrigado, ministro, pela oportunidade de nos receber também, como empresário, eu acho que sempre nós pensamos no trabalho, mas principalmente na contribuição social que podemos oferecer hoje. E junto em parceria com tanta porta aberta que o ministro nos propôs, eu acredito que nós podemos fazer essa parceria por um longo e duradouro tempo para vários produtos inclusive se necessário, tá? Mas vamos focar na pandemia, o que nós podemos ajudar e o que estiver dentro do nosso alcance, estaremos à disposição para vossa excelência."
Em depoimento à CPI da Pandemia, em 16 de julho, Pazuello afirmou que não tratava diretamente com empresas sobre contratos e compra de imunizantes.
“Sou o dirigente máximo, eu sou o decisor, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o Ministro. Se o Ministro... Jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso“, disse respondendo pergunta do relator, o senador Renan Calheiros.
Aos senadores, Pazuello estava explicando que não esteve à frente dos trâmites com a Pfizer e que não cabia a ele cumprir esse papel.
“Eu queria dizer que não posso colocar, o Ministro não pode receber as empresas, o Ministro não pode fazer negociação com empresa, o Ministro não pode fechar“, afirmou.
A memória da reunião indica ainda que o grupo chegou ao ministério por indicação do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso.
“Quem solicitou a primeira reunião foi o senador Eduardo Gomes (mas depois não acompanhou ou cobrou o processo)“, diz o material.
Gomes afirmou à CNN que não indicou diretamente o grupo e que seu gabinete não encontrou registro dessa solicitação.
Ele diz, porém, que a orientação à época era que pedidos relacionados ao enfrentamento da pandemia deveriam ser encaminhados ao Ministério da Saúde. Segundo o senador, algum parlamentar pode ter pedido e sua equipe então remetido à pasta.
O material detalha como deveriam ser os trâmites para que o negócio fosse fechado. A partir da reunião, uma carta de intenção deveria ser enviada pela secretaria-executiva, comandada naquela época por Élcio Franco.
Depois, o governo chinês enviaria um posicionamento oficial, indicando disponibilidade e o cronograma de entrega. E, havendo confirmação de interesse por parte do governo brasileiro, o processo de aquisição seria iniciado.
A CNN procurou a defesa do ex-ministro Eduardo Pazuello. O advogado Zoser Platar Bondim, informou que não conseguiu contato com o cliente, mas que os questionamentos deveriam ser encaminhados para a Secretaria de Comunicação Social da Presidência ou a Advocacia Geral da União.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que a atual gestão da pasta não tem conhecimento de memorando de entendimentos para aquisição de doses da Coronavac.
A CNN entrou em contato com a Secom e AGU, mas ainda não teve retorno. O Instituto Butantan, que tem contrato com o Ministério da Saúde para fornecer a vacina da Sinovac no Brasil, informou que não tem posicionamento sobre o assunto e que desconhece qualquer relação com a empresa intermediária. A Sinovac, empresa que desenvolveu a Coronavac, ainda não retornou o contato.