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SAÚDE
Da redação
08/04/2015 07:19
Atualizado
14/12/2018 03:57

Uma década de impunidade para os sanguessugas da saúde em Mossoró

Justiça Federal condenou Laíre Rosado por destinar emendas parlamentares para órgãos controlado por ele em Mossoró, fraudar licitações e desviar milhõres dos recursos da saúde
Kaio Cesar Morais

O processo contra ex-deputados federais, empresários e outros envolvidos na Operação Sanguessugas chegava ao Judiciário há dez anos.

O escândalo envolveu dezenas de parlamentares que anos antes, se utilizavam das chamadas emendas ao Orçamento para desviar dinheiro público, pior, da saúde.

Em Mossoró, quem se notabilizou na lista foi o ex-deputado federal Laíre Rosado, esposo da ex-deputada federal Sandra Rosado e pai da ex-deputada estadual Larissa Rosado.

Laíre foi condenado o ano passado há nove anos e seis meses de prisão pela Justiça Federal de Mato Grosso, mas nunca passou um dia sequer na cadeia. Nunca viu “o sol nascer quadrado” em nenhuma oportunidade.

Veja sentenças AQUI e AQUI.

No máximo, teve de ir a audiências na Justiça Federal para prestar depoimentos no processo (2006.3600.008811-9).

O que muito se pergunta em Mossoró – e em todo o Brasil, por que não – é qual o porquê de Laíre até hoje nunca ter sido preso se casos tão graves quanto mandou para a cadeia pessoas muito mais importantes e de maior peso político.

Ao contrário, o ex-politico continua caminhando entre autoridades de Mossoró, municípios da região Oeste e até em Brasília, onde até poucos dias ocupava o cargo de assessor parlamentar com salário superior a R$14 mil.

Tem motivos de sobra para sorrir.

Numa outra ponta, está o caso do mensalão do PT: mandou para a cadeia grandes figurões do partido detentor do poder, ocupante do Palácio do Planalto, que, inclusive, já estão concluindo suas penas e nada de sair as prisões dos responsáveis pelos roubos de recursos públicos no caso dos Sanguessugas, que começou antes do Mensalão.

 

Sanguessuga

Dezenas de deputados e empresários corruptos e corruptores, segundo o MPF, se uniram em quadrilha para desviar recursos públicos destinados para saúde em centenas de municípios brasileiros por vários anos.

A quadrilha foi descoberta em 2004 e o processo começou em 2005.

Os deputados destinavam emendas parlamentares para entidades controladas por eles com a justificativa que era para prestar serviços de saúde, quando na verdade fraudavam licitações, notas fiscais e desviavam os recursos para si e para familiares e aliados políticos.

Assim agiu o ex-deputado Laíre Rosado, conforme os processos na Justiça Federal em Moto Grosso e no Rio Grande do Norte. Apesar da gravidade do fato que é desviar recursos da saúde, ocasionando mortes, a impunidade no processos persiste ao longo de uma década.

 

Processos

Laíre responde a cinco processos por conta do seu envolvimento com os sanguessugas. O principal deles foi aberto em 2005 no estado do Mato Grosso. Era lá que funcionava quadrilha comandada pela família Vedoin, dos empresários Darci e Luiz Antônio Vedoin.

Laíre, de acordo com a sentença da Justiça, entrou para a quadrilha com o intuito de se locupletar dos cofres públicos. Chegou ao ponto de receber propina em sua própria conta, no mesmo dia em que foi feito o pagamento de um convênio superfaturado.

Acabou condenado por três crimes: formação de quadrilha (dois anos e seis meses), lavagem de dinheiro (quatro anos) e corrupção ativa (três anos). Mesmo com a soma das penas chegando a nove anos e seis meses, Laíre nunca passou um dia na cadeia e isso provocou a ira do Ministério Público Federal.

A sentença do juiz mato-grossense Paulo Cézar Alves Sodré mandou Laíre para o regime semi-aberto, em que ele pode recorrer da sentença em liberdade.

Os outros processos do ex-deputado tramitam na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. Em um deles ele teve o crime prescrito e no outro foi condenado por improbidade administrativa e ao pagamento de multa milionária que pode culminar com o leilão de seus bens (veja reportagem detalhada sobre esse assunto abaixo).

 

Contas reveladas

Laíre usava contas pessoais, do ex-genro e até de jornalista para receber propina

A ânsia do então deputado federal Laíre Rosado em por a mão em dinheiro público através da Máfia dos Sanguessugas foi tão grande que ele não se tomou nenhum cuidado em receber a propina em sua própria conta pessoal. De acordo com planilha que consta da sentença do juiz mato-grossense Paulo Cézar Alves Sodré, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Mato Grosso, Laíre usou a própria conta, a do ex-genro, Francisco Andrade Silva Filho e a do jornalista Edmundo Torres ( seu funcionário há décadas) para receber dinheiro da propina.

O esquema funcionava da seguinte forma:

1 – Laíre apresentava emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União com o intuito de angariar recursos para as entidades filantrópicas que controlava, no caso a Associação de Proteção a Infância e a Maternidade (APAMIM) e a Fundação Vingt Rosado. O dinheiro seria para a compra de ambulâncias superfaturadas ou medicamentos que não eram entregues ou chegavam parcialmente ao destino, sempre com a comissão de 10% “por fora”.

2 – As duas entidades promoviam licitações de fachada para que as empresas vencedoras fossem sempre as ligadas à família Vedoin ou ao empresário Ronildo Medeiros, outro dos mentores do esquema Sanguessugas.

3 – Vencidas as licitações, as duas partes “esquentavam” os papéis ou comprando os produtos superfaturadamente – de acordo com as provas apresentadas robustamente nos autos e consideradas pelo juiz – ou simplesmente não entregando a mercadoria, dando atestes falsos de que os medicamentos ou equipamentos chegaram ao destino.

4 – Com o dinheiro nas contas, a comissão era paga imediatamente pelas empresas envolvidas.

5 – Para receber os valores, Laíre emprestava a própria conta, a do ex-genro Francisco Andrade Silva Filho, do seu ex-motorista Raimundo Nonato Silva Filho, além de assessores próximos e até do jornalista Edmundo Torres, seu fiel escudeiro e que trabalha com ele há décadas.

Veja na planilha que também está na sentença do juiz (abaixo), que foram feitos 37 depósitos a título de propina nas contas de Laíre e de pessoas ligadas a ele. Ainda segundo a Justiça, os valores depositados chegavam a coincidir com o mesmo dia em que o dinheiro havia sido liberado para o pagamento do suposto serviço ou produto a ser entregue (veja em reportagem deste portal).

Justiça Federal de Mossoró

Em um dos convênios fraudulentos, dinheiro entrou na conta de Laíre no mesmo dia do pagamento do serviço

Além do processo de Mato Grosso em que o ex-deputado Laíre Rosado foi condenado a nove anos e seis meses de prisão, ele também foi condenado em outro processo no ano passado na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. Foi no que o processou por improbidade administrativa, bloqueou seus bens e acabou tirando os seus direitos políticos por dez anos, além de aplicar multa milionária. Na sentença da juíza da 10ª Vara Federal de Mossoró, Sophia Nóbrega Câmara Lima, ela enumera um por um dos convênios fraudados por Laíre e a quadrilha a qual ele se associou. O ex-deputado contava tanto com a impunidade que chegou a receber na sua conta ou na conta do seu ex-genro, Francisco Andrade Silva Filho, valores referentes a propina no mesmo dia em que a empresa recebeu o dinheiro fraudado em licitação. Veja o caso do convênio 1624-2001, da Fundação Vingt Rosado, no texto extraído na íntegra da sentença da juíza.

“2.2.3.1.9. Convênio nº 1624/2001 - Fundação Vingt Rosado

O convênio nº 1624/2001, com recursos no valor de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) advindos de emenda de autoria do réu LAÍRE ROSADO FILHO (fl. 3.821 e 165) e destinados à aquisição de Unidade Móvel de Saúde à Fundação Vingt Rosado, à época presidida pelo então réu FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO, teve vigência de 26/12/2001 (data da assinatura do termo de convênio) a 13/02/2003.

 A Comissão Permanente de Licitação (CPL) que dirigiu o procedimento licitatório do convênio em comento foi formada pelos réus ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO (Presidente da CPL), VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA e MARIA SALETE DA SILVA. Na época, o tesoureiro era o réu VALNEY MOREIRA DA COSTA (fl. 191)

 A empresa vencedora pela modalidade "Tomada de Preços" foi a Santa Maria Comércio e Representações Ltda., tendo sido a si adjudicado o objeto do convênio ao valor de R$ 179.000,00 (cento e setenta e nove mil reais), conforme termo de adjudicação de fl. 201.

 Em relatório constante às fls. 3.291/3.302, fruto de auditoria empreendida entre os dias 25 a 29/09/2006 na Fundação Vingt Rosado, o DENASUS e a CGU apontaram as seguintes irregularidades/constatações pertinentes ao processo licitatório: a) o processo licitatório não foi autuado, protocolado e numerado, nem consta ato formal autorizando a abertura da licitação; b) a planilha de pesquisa de preço limita-se a demonstrar as cotações de preços obtidas das empresas A, B e C para a UMS pretendida, sem nominar as proponentes e as respectivas datas de consulta e sem anexar as propostas ou outro documento que identifique as empresas consultadas e comprove a pesquisa realizada; c) da documentação apresentada não consta qualquer comprovante de publicação em Diário Oficial ou jornal não oficial de grande circulação, nem mesmo registro em ata ou despacho de que o edital tenha sido objeto de divulgação; d) embora julgada não habilitada, caso em que o envelope da proposta deveria ter sido devolvido intacto ao licitante, a empresa Vedovel teve sua proposta aberta, cujo preço de oferta também constou do mapa comparativo de preços e classificação das propostas, como se estivesse apta a participar do certame; e e) a proposta da licitante Leal Máquinas (fl. 4.033), além de apresentar dados incompatíveis ("Veículo tipo ônibus, zero km, marca Volkswagen, usado [...]" - g.a.), não indica a data e a hora da licitação e, embora assinada, não está datada nem consta carimbo ou o nome do signatário e nem o seu CPF, fatos estes que ensejariam a sua rejeição e desclassificação por descumprimento às exigências do Edital (item 4, subitens 4.2-III, c/c o subitem 5.4).

 Tais irregularidades, assim como as até aqui analisadas, vistas isoladamente, não teriam o condão, por si só, de arrastarem para si a atenção dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, não fosse a existência de outros elementos de prova contidos nos autos, que, com destacada clarividência, forçam a conclusão pela simulação do procedimento licitatório com o direcionamento de seu resultado pela Fundação Vingt Rosado.

 Vê-se, no caso, que as empresas que retiraram o Edital, quais sejam, Santa Maria, Vedovel e Leal Máquinas (fls. 3.293-v/3.294), todas estão envolvidas no esquema montado pelo grupo coordenado pelos réus LUIZ ANTÔNIO, DARCI JOSÉ e RONILDO PEREIRA, o que confirma o esquema já delatado pelos referidos acusados.

 A montagem do processo licitatório, com a confecção de toda a documentação repousada aos autos, teve tão somente a intenção de conferir lisura ao procedimento que a Fundação Vingt Rosado levou a cabo, fraudando o certame com a prévia definição do vencedor.

O Convênio nº 1576/2002 fora assinado pela Fundação Vingt Rosado no dia 26/12/2001 e publicado no dia 28/12/2001, conforme fl. 114, tendo o Edital de Tomada de Preços nº 001/2002 (fls. 4.024/4.028), de 04/01/2002, sido confeccionado apenas 07 (sete) dias da publicação do convênio que daria suporte financeiro para a aquisição do objeto da licitação.

Ainda mais esclarecedor quanto aos anseios desleais daqueles que geriam os recursos públicos é o fato de não ter sido o supracitado edital de licitação publicado sequer no Diário Oficial do Estado do RN, em total desapego ao cuidado com a coisa pública e em clara violação aos preceitos legais do art. 21, I e III, da Lei de Licitações. Repise-se que não há nos autos qualquer comprovação de tal publicação, o que seria ônus dos acusados apresentá-las (CPC, art. 333, II). Tal procedimento inusitado aponta para a criação de um cenário adequado a se alcançar o objetivo de fraudar a "tomada de preços" que seria instalada.

 Conquanto, à época da execução do convênio, a Divisão de Convênios e Gestão - DICON, do Núcleo Estadual da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, após relatórios de verificação in loco na cidade de Mossoró/RN (Relatórios nº 19-1/2002 de fls. 3.851/3.870, nº 75-2/2002 de fls. 3.872/3.883 e nº 207-3/2002 de fls. 3.890/3.902), tenha dado parecer favorável à prestação de contas da Fundação Vingt Rosado (Parecer GESCON nº 397, de 28/01/2003, à fl. 4.073), percebe-se que a condição de tal órgão era tão somente de mero "acompanhamento" e não de auditoria, conforme já tratado, razão pela qual não devem ser afastadas as conclusões mais bem abalizadas dos relatórios das equipes do DENASUS/CGU, as quais não vinculam o Poder Judiciário.

Tudo que foi dito até agora, com apoio na prova documental presente nos autos, corrobora a tese de que o procedimento licitatório foi desenvolvido, já no seu nascedouro, sem a necessária seriedade exigida em tais procedimentos, promovendo, assim, dano calculado pelo "Sistema de Cálculo do Prejuízo Estimado da CGU" (Sistema SGI-CGU) no montante de R$ 48.306,91 (quarenta e oito mil, trezentos e seis reais e noventa e um centavos)39, conforme tabela de fls. 3.296-v/3.297, não havendo qualquer impugnação por parte dos réus quanto a tal valor, a não ser a alegação genérica dos acusados LUIZ ANTÔNIO, DARCI JOSÉ e RONILDO PEREIRA de que não havia superfaturamento.

Há, ainda, evidência de liquidação irregular com pagamento antecipado da despesa realizada, elemento que solidifica o esquema fraudulento tecido pelos demandados. É dizer que a Fundação Vingt Rosado, exatamente no mesmo dia em que os recursos foram creditados pelo FNS na conta do convênio, dia 21/02/2002, conforme fl. 133 e extrato de fl. 186, emitiu cheque no valor de R$ 179.000,00 (cento e setenta e nove mil reais) à empresa Santa Maria (cheque nº 850001, fl. 21 do Apenso III40), tendo sido o mencionado título de crédito compensado no mesmo dia de sua emissão, 21/02/2002 (extrato de fl. 186). Tal linearidade não seria tão estranha acaso não tivesse sido a Unidade Móvel de Saúde entregue à Fundação Vingt Rosado apenas no dia 10/03/2002 (um domingo), 17 (dezessete) dias após o seu efetivo pagamento. Frise-se que até mesmo as notas fiscais do produto foram emitidas após a compensação do cheque nº 850001 (emissão no dia 25/02/2002, fls. 195/196).

Ressalte-se que há depósito no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), realizado pelo grupo dos réus LUIZ ANTÔNIO, DARCI JOSÉ e RONILDO PEREIRA, à fl. 79, em nome do presidente da Fundação Vingt Rosado, ora réu, FRANCISCO DE ANDRADE, exatamente no mesmo dia em que este mesmo emitiu o supracitado cheque nº 850001 (R$ 179.000,00, fl. 21 do Apenso III), em 21/02/02, como forma de pagamento pela sua destacada participação no esquema fraudulento. No mesmo dia, foram realizados outros dois depósitos, sendo um no valor de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) na conta do Sr. Raimundo Nonato F. Silva e outro no valor de 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) na conta pessoal do réu LAÍRE ROSADO.

Como se não bastasse, os auditores do DENASUS/CGU, na visita realizada entre os dias 25 e 29 de setembro de 2006, detectaram indícios de prejuízo social, porquanto "a Unidade Médico-Odontológico não estava sendo utilizada" (fl. 3.297-v). Nesse sentido, continua o relatório: "segundo declaração firmada por escrito pela Coordenadora da Fundação Vingt Rosado, as atividades só foram realizadas no primeiro trimestre do ano em curso, ficando suspensas no decorrer do período eleitoral, fato este que configura prejuízo social" (item 3.7.2.1, fl. 3.297-v).

Em arremate, o próprio relatório do DENASUS/CGU, sem ter acesso aos depoimentos dos réus LUIZ ANTÔNIO, DARCI JOSÉ e RONILDO PEREIRA, cujas revelações são importantes para a junção dos inúmeros indícios de irregularidades nos processos licitatórios e formação de um claro e robusto convencimento quanto ao esquema fraudulento impetrado pelos demandados, assim concluiu em face das constatações aqui analisadas (fl. 3.299):

Tais constatações retratam fatos que, à luz das normas aplicáveis ao instituto da licitação, teriam dado ensejo à anulação da licitação, por omissão na publicação do edital e ainda pela não desclassificação de uma das propostas apresentadas, nos termos do art. 49 da Lei 8.666/93, e outros que comprometem a regularidade do processamento da despesa, pela evidência de que o seu pagamento se deu de forma antecipada, transparecendo fortes indícios de simulação do procedimento licitatório para dar aspecto de legalidade na malversação de recursos públicos, caracterizando fraude, nos termos dos arts. 90 da Lei 8.666/93. (g.a.)

 Repita-se a observação feita antes: o que para a citada equipe de auditoria transparecia indícios, materializa-se aqui, ante o vasto material probatório coligido a este feito, em certeza, conforme já foi amplamente discutido”.

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