28 MAR 2024 | ATUALIZADO 14:30
VARIEDADES
Da redação
29/08/2018 09:45
Atualizado
14/12/2018 10:09

Na sociedade da pós-verdade, das aparências falsas, você não precisa ser para ser

Em texto do jornalista e pesquisador William Robson, na sociedade da pós-verdade, não é a verdade que prevalece, mas o scrolling das redes sociais e a narrativa da plena felicidade
WILLIAM ROBSON
Especial para o MOSSORÓ HOJE

Vivemos na sociedade da pós-verdade, onde não se precisa ser para ser. Todo mundo é. De juiz a jornalista, de acusador a inquisidor, de especialista a doutor. Tudo isso. Sem precisar ser. Numa narrativa das aparências falsas, das fantasias digitais, das autoridades vazias e das mentiras como refúgio.

Na sociedade da pós-verdade, não é a verdade que prevalece. O que chama a atenção é o scrolling das redes sociais, a narrativa da plena felicidade, onde a paraíso divino se faz concreto e habita entre nós.

Quando estive morando em Barcelona, visitei a redação do jornal La Vanguardia e lá vi um texto do Màrius Carol, diretor do jornal, que falava que a mentira se tornou um prestígio e, por outro lado, revela temores. As mentiras externadas nas redes sociais, com verniz de pós-verdade (afinal, a foto está ali, a viagem está ocorrendo, o jantar servido está exposto...), são as lógicas de uma vida motivada pelas fantasias digitais, totalmente alheias ao real da vida cotidiana.

Por isso, há perversão na pós-verdade: oferecer um mundo inexistente do qual ninguém se identifica e que se deprime ao perceber que todas as pessoas, menos você, estão inseridas neste mar de rosas.

O mesmo Carol disse que a pós-verdade não é interessante. As mensagens são interessadas. A mentira é sedutora. Há um propósito de manipular as nossas vidas a partir da mensagem do outro. Mas, quem estaria manipulando quem no final das contas, neste universo paralelo de regozigo?

A pós-verdade também transformou os boatos do passado em fake news. Se apropriou da legitimidade da apuração e checagem do jornalismo para oferecer informação ao gosto do freguês. E  voltando à tal da narrativa, a pós-verdade vai criando  com isso realidades abstratamente diversas.

No mundo das fantasias digitais onde não precisa ser para ser, o ódio se materializa verdadeiramente e se expõe de forma mais fácil por trás de um computador ou smartphone. Todo mundo tem a sentença para a prisão de um ladrão na ponta dos dedos, para um casal que se separa, para um desempregado, para um pedinte.
Todo mundo é capaz de resolver problemas complexos, discutir teorias, refutar teses. Todo mundo é bem sucedido, fez a melhor viagem, tem o melhor vício, o segredo da longevidade, o manual da moral e a melhor maneira de aproveitar a vida.

Como não precisa ser para ser, todo mundo é delegado, promotor e juiz. Todo mundo tem as soluções para a economia. Todos sabem governar a sociedade. Têm soluções para tudo, menos para as próprias vidas. Estes são os elementos da pós-verdade.

Talvez um dia você tenha se deparado pessoalmente com alguém do qual mantém contato apenas virtualmente. E se surpreendeu por ser radicalmente outra pessoa, bem diferente daquela do mundo digital. Você e ela.Talvez mais imperfeita do que imaginava, mais arrogante, mais egocêntrica, que nem sequer falou com você na rua, ou vice-versa, embora dispensa horas nas redes sociais a exercer o personagem do intelectual temperado, sensato, atencioso e poliglota.

Não se admire. O escritor Anatole France disse que "sem mentiras, a humanidade morreria de desespero e aborrecimento". Será que tudo isso faz algum sentido?
Afinal, e voltando ao Carol, nesta era de mentiras, das falsas aparências ou pós-verdade, perdemos a capacidade de reconhecer qual seria o caminho verdadeiro. E condicionando a nossa vida ao que aparece numa tela de celular, não dá para distinguir, ao certo, o que é narrativa interessante ou o que é narrativa interessada.

William Robson é jornalista, mestre em Estudos da Mídia (UFRN) e doutorando em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com estágio na Universitat Autònoma de Barcelona (UAB)

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