Mais uma vez, o Rio Grande do Norte protagonisa o estabelecimento de normas e regras para cadeias produtivas artesanais no Brasil. Depois da Lei dos Queijos Artesanais, que se tornou referência para a nacional, o estado regulamentou todas as etapas da cadeia produtiva da meliponicultura, que é a criação de abelhas nativas sem ferrão.
O Rio Grande do Norte está entre as áreas remanescentes da atividade no país com a produção do famoso ‘Mel de Jandaíra', nome dado em função do município homônimo, na região do Mato Grande, onde há maior concentração de colmeias.
A regulamentação da Lei do Mel (Lei 10.476/2019) de autoria do deputado estadual Sousa (PSB) foi instituída por decreto da governadora Fátima Bezerra e publicada na edição desta quinta-feira (26) do Diário Oficial do Estado (DOE).
O setor comemora a regulamentação. Em anos chuvosos, o estado chega a produzir mais de uma tonelada desse mel, que tem um valor agregado maior que o da apicultura, e a expectativa é de aumento. Em Mossoró, existe mais de 80 produtores urbanos.
A legislação é fruto da articulação de diversas instituições, que lideradas pelo Sebrae no Rio Grande do Norte, montaram um comitê, que discutiu e elaborou desde o início de 2019 uma proposta de regulamentação preliminar, entregue ao governo no ano passado e que serviu de base para a lei.
O comitê é composto pelo Sebrae, Associação de Meliponicultores e Meliponicultoras Potiguar (AMEP), Associação dos Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (JOCA), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do Estado do Rio Grande do Norte (IDIARN) e Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (Emater).
De forma geral, a lei cria diretrizes para a atividade e estabelece requisitos sanitários de produção, processamento, além de determinar os padrões de identidade e qualidade do mel produzido e comercializado. A legislação especifica parâmetros para criação, incluindo especificações dos meliponários e transporte de abelhas sem ferrão.
Segundo o texto, fica permitida a criação de nove espécies de abelhas nativas presentes na caatinga e mata atlântica e proibida a mistura dos meles de espécies diferentes.
A redação também aponta regras para extração do mel, armazenamento e classifica os tipos de mel: unifloral, multifloral e melato, tendo-se comercializado em estado líquido original, cristalizado ou cremoso.
A lei também exige requisitos e composições mínimas para classificar um mel como sendo de abelhas sem ferrão, além de indicar parâmetros para rotulagem e registro.
Segundo a governadora do estado, professora Fátima Bezerra, a regulamentação da atividade representa mais um avanço do Rio Grande do Norte no sentido de criar melhores condições para o desenvolvimento da agricultura familiar do estado.
“Mais uma vez, o Rio Grande do Norte sai na frente, regulamentando as pequenas atividades do setor agropecuário. Essa era uma reivindicação antiga dos produtores que nosso governo concretiza. Ao definimos as normas para manejo, produção e comercialização, estamos criando condições para que a extração sustentável desse tipo mel, conhecido pelas suas propriedades medicinais, se expanda no RN”, disse a governadora Fátima Bezerra.
De acordo o produtor associado da Associação de Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (JOCA), Francisco Melo, a cadeia produtiva da meliponicultura potiguar ganhou um reforço oficial com a Lei, que foi sancionada em 1º de fevereiro de 2019 e agora regulamentada.
A Associação JOCA, que fica no município de Jandaíra, conta com a primeira casa de mel no Rio Grande do Norte para processamento, e já tem reconhecimentos nacional e internacional pelo trabalho, já que detém o Selo Internacional da Fortaleza Slow Food no mel da Abelha Jandaíra, do Mato Grande, e por carregar o conceito do Alimento Bom, Limpo e Justo.
O diretor técnico do Sebrae-RN, João Hélio Cavalcanti, destaca que a regulamentação da Lei do Mel é o coroamento de todo um trabalho articulado pelo Sebrae e importantes parceiros - incluindo os pequenos produtores - veem realizando ao longo de décadas.
“É importante que haja um resgate da meliponicultura no semiárido, que é a criação de abelhas sem ferrão, espécie que predominava na região, oferecendo um produto de excelente qualidade e que, com o surgimento da abelha africanizada (apicultura), ficou relegada a segundo plano”, defende.
Segundo Francisco Melo, esse avanço promove o acesso a novos mercados, incrementando a comercialização do mel das abelhas sem ferrão (ASF), trazendo ainda, garantias de preservação das espécies. Portanto, fortalece a cadeia produtiva desse tipo de mel e fomenta a renda dos meliponicultores. Traz ainda outro desmembramento, como a comercialização certificada de um produto raro, de alta qualidade e que está ganhando mercado.
“Os produtores terão maior reconhecimento e valorização da atividade. O regulamento técnico disciplina a atividade. É um momento histórico da meliponicultura do RN. Agora, o setor passa a ser reconhecido com um aparato legal. Os produtos poderão ser vendidos no mercado formal. Há 12 anos, a JOCA lutava por esse reconhecimento para fortalecer os trabalhos, preservando as abelhas nativas sem ferrão, especialmente a Jandaíra, para equilíbrio ambiental, geração de renda e fixação ao campo”, afirma Francisco Melo.
Considerando a importância da atividade nos aspectos históricos e culturais, João Hélio Cavalcanti lembra que ao longo dos anos vinha sendo travada uma verdadeira luta por parte dos pequenos produtores e entidades apoiadoras, visando fortalecer a atividade que tem um papel com forte impacto econômico e social para o desenvolvimento territorial.
“Com a assinatura do decreto que regulamenta a lei, que deve ser respeitada pelo produtor, a comercialização do mel passa a ser feita de forma legal e muito mais efetiva no mercado, trazendo um novo momento para a meliponicultura”, afirma João Hélio, que destaca o apoio do governo do estado e das prefeituras envolvidas na Rota do Mel, e em especial a Fundação Banco do Brasil.
O diretor do Sebrae-RN acredita que haverá uma expansão do mercado da meliponicultora em todo o estado. “O fato da produção do mel da abelha sem ferrão estar regulamentada, permitirá que os produtores tenham o produto certificado para comercialização, obedecendo todos os critérios sanitários, boas práticas e segurança alimentar. Certamente, isso fará com que esse produto de alto valor agregado chegue às prateleiras dos supermercados, lojas de produtos naturais e grandes centros comerciais”, avalia João Hélio, reiterando que os consumidores e os pequenos produtores são os maiores beneficiados pelos avanços na meliponicultora, que é uma atividade diretamente ligada à agricultura familiar.